Em 2023, considerando as alterações na regra do teto, perdas de arrecadação, despesas financeiras e riscos, o custo fiscal do Brasil pode chegar a R$ 430 bilhões, representando 4,2% do PIB, segundo cálculos dos economistas do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), que constam no Boletim Macro do Ibre.
Na análise dos economistas da FGV, Manoel Pires e Bráulio Borges, a conta do passivo fiscal pode ser dividida em quatro categorias: despesas não previstas no orçamento e que colocam em xeque o teto de gastos, a manutenção do Auxílio Brasil em R$ 600, o reajuste do funcionalismo e a revisão das despesas discricionárias, que juntas chegam a R$ 120 bilhões (1,2% do PIB). Para eles, diante deste cenário, ganha força a proposta de waiver fiscal, ou suspensão dos limites fiscais, para organizar o orçamento sem maiores prejuízos para o país.
Sentimento também compartilhado por João Luiz Mascolo, sou sócio na MACRO Consultoria, pois em virtude dos compromissos assumidos, mesmo que o teto de gastos seja mantido ou substituído, o mais provável é que haja um período de waiver para os gastos públicos, até que a situação se estabilize.
A relação dívida/PIB se elevou, na percepção de Mascolo, inicialmente de 2014 a 2019, de 54% para 79%, em função dos elevados gastos no período Dilma. Em 2020, em função dos dispêndios resultantes da pandemia, houve uma nova elevação chegando até quase 90%. Atualmente, devido aos efeitos da alta da inflação e da melhora no resultado primário, voltou ao patamar de 80%, ainda bastante elevado para um país emergente.
“É importante um esforço do próximo governo para trazer esta cifra para a casa de 60%, além de garantir a sua sustentabilidade a partir daí, o que passa pela obtenção de superávits primários que sejam capazes de mitigar o fato de que os juros reais que incidem sobre a dívida serão maiores do que a taxa esperada de crescimento do PIB”, pondera Mascolo.
Apesar de o Brasil ter um alto nível de endividamento público se comparado a seus pares emergentes, Guilherme Loureiro, economista-chefe na Trafalgar Investimentos, acredita que houve uma melhora das contas públicas nos últimos dois anos. Hoje, ele explica que a dívida pública já retornou para patamares próximos ao pré-pandemia (78% vs. pico de 90% e pré-pandemia de 75% do PIB) e o resultado primário, que chegou a ser altamente deficitário em 2020 (ao redor de 9,5% do PIB), já está superavitário.
Isso, Loureiro acredita que é em consequência de alguns fatores como: i) normalização de gastos extraordinários durante a pandemia; ii) corte nos gastos obrigatórios (frutos da reforma da previdência e do controle no gasto com funcionalismo público); iii) aumento da arrecadação, em parte puxada pela recuperação no crescimento e inflação, mas também por uma alta dos tributos ligados ao lucro, como são os casos do IRPJ, CSLL e dividendos. “Ainda que parte da receita seja extraordinária, essa combinação mostra sinais de melhora estrutural nos números fiscais”, ressalta.
Outro ponto citado por Loureiro é que há sinais de fadiga da estratégia de controle de gastos e essa pressão irá aumentar por mudanças no teto de gastos. O equilíbrio, para ele, deve se dar com mais gastos e mais impostos, mas sem uma piora significativa do resultado primário.
“A solução é pior para o crescimento estrutural e alguns setores da bolsa, mas é menos danosa para renda fixa e câmbio. A complexidade das instituições brasileiras limita cenários extremos de ruptura. O incentivo político também parece alto para a sinalização de um equilíbrio nas contas públicas”, pondera Loureiro.
Com relação ao cenário político, em 2023, Mascolo avalia que os candidatos que estão no segundo turno já declararam que vão acabar com o teto de gastos. “Não parece razoável acreditar que isto simplesmente signifique liberdade para gastar. Creio que uma nova regra (âncora fiscal) será criada, mas deverá, no início, haver um período de maior liberdade para gastos em função dos compromissos assumidos ou inevitáveis, como reajuste dos salários dos servidores públicos, Auxílio Brasil de R$ 600,00, precatórios etc.”, diz.
No que tange às privatizações, Mascolo aponta que o candidato oposicionista já declarou ser contrário e o atual presidente mostra-se favorável. “Dadas as restrições fiscais, creio que ainda que não haja privatizações, deve-se assistir a um incremento nas concessões e parcerias público-privadas. Em ambos os casos, me parece pouco provável que não haja aumentos seletivos de impostos”, explica.
Mas o que é certo, na visão de Mascolo, é que ambos os candidatos têm perfeita noção de que um desequilíbrio fiscal será bastante desestabilizador para o Governo e, neste sentido, acredita-se que haverá uma busca por um orçamento equilibrado ou, pelo menos, por um superavit primário que evite uma trajetória explosiva da relação dívida/PIB. Caso esta visão se confirme, os efeitos serão mais positivos à medida em que estes resultados sejam obtidos por corte de gastos (e reformas) e não aumento de impostos.
“A longo prazo, o desejável seria que o governo perseverasse na estratégia de controle de gastos, na redução do tamanho do estado e no avanço das privatizações. Isso permitiria não apenas aumentar a poupança doméstica e o investimento de forma sustentável, e, por consequência, expandir o crescimento estrutural brasileiro, como também reduzir a vulnerabilidade fiscal e o nível de juros de forma permanente”, finaliza Loureiro.