O Raio X do Investidor Brasileiro 2024 revela: somos uma nação que ainda confunde liquidez com inteligência financeira. E quem entender isso primeiro, vai liderar o jogo.
O Raio X do Investidor Brasileiro 2024, produzido pela ANBIMA em parceria com o Datafolha, é muito mais do que um retrato da relação da população com o dinheiro. Ele é, na prática, um espelho incômodo da inércia financeira do país e, para quem observa com olhar estratégico, um mapa das oportunidades que se desenham no mercado financeiro e no campo da educação patrimonial.
Os dados são eloquentes e, ao mesmo tempo, desconcertantes. Cerca de 59 milhões de brasileiros possuem algum tipo de investimento financeiro. No entanto, quando mergulhamos na qualidade desse investimento, a realidade é que uma parcela esmagadora, 64% desse grupo, ainda está alocada exclusivamente na caderneta de poupança, um produto que, na prática, não é investimento, mas uma escolha pautada no imediatismo, na liquidez fácil e, sobretudo, na falta de compreensão sobre o funcionamento dos mercados e das alternativas disponíveis.
Esse não é um fenômeno isolado das classes de menor renda ou escolaridade. Mesmo dentro da camada de alta renda, representada pelas classes A e B, surpreendentemente, 22% ainda estão presos no perfil que o próprio estudo denomina como “Caderneta”. Um dado que, por si só, desmonta o mito de que renda elevada é sinônimo de inteligência financeira. Na verdade, o que se observa é que boa parte desse público vive uma dissonância entre a capacidade de gerar renda e a competência para estruturar, proteger e potencializar patrimônio.
Essa realidade escancara um paradoxo que se repete há décadas no Brasil: o país produz pessoas capazes de enriquecer, mas não necessariamente aptas a se tornarem investidores. Gente que acumula dinheiro, mas não acumula patrimônio. Que gera caixa, mas não constrói liberdade financeira de longo prazo.
O dado mais simbólico, talvez, seja o que envolve a aposentadoria. Enquanto 88% dos aposentados hoje dependem majoritariamente do INSS para sobreviver, cerca de metade dos brasileiros que ainda não se aposentaram acredita, ingenuamente, que conseguirá estruturar uma aposentadoria independente. É o retrato de uma ilusão coletiva, sustentada não por dados, mas pela esperança vazia. Uma esperança que, ano após ano, se choca com a realidade de um sistema previdenciário pressionado, reformas insuficientes e uma longevidade crescente que simplesmente não fecha a conta.
Mas o problema não está restrito à previdência. Existe uma questão estrutural na relação do brasileiro com o dinheiro que passa pelo imediatismo crônico. O dado que mostra que 72% da população prioriza liquidez imediata não deveria ser interpretado apenas como preferência. É, na prática, uma expressão de medo. Medo do inesperado. Medo de não saber o que fazer caso algo aconteça. E, sobretudo, medo de tomar decisões que envolvem riscos, mesmo que calculados, em troca de retornos futuros mais consistentes.
Esse comportamento gera um custo invisível, mas extremamente perverso: o custo da oportunidade perdida. Enquanto boa parte do país permanece ancorada na poupança ou em aplicações conservadoras, a inflação corrói silenciosamente o poder de compra, e o patrimônio que poderia ser multiplicado, simplesmente estagna. E quando não cresce, ele, na prática, diminui.
Por outro lado, o relatório também revela que há uma fatia, ainda que minoritária, da população que começa a entender, e operar, as regras do jogo de forma diferente. São os 17% classificados no Perfil Diversifica. Gente que não apenas investe, mas compreende a importância da diversificação, da proteção patrimonial, da construção de renda passiva e da busca por soluções que transcendem as fronteiras nacionais, olhando para ativos globais, blindagem jurídica e estratégias tributárias eficientes.
Essa minoria, no entanto, não surge por acaso. É fruto de acesso à informação de qualidade, de educação financeira estruturada e, muitas vezes, de acesso a profissionais, assessorias e planejadores capazes de transformar complexidade em clareza. É aqui que mora a oportunidade.
O Brasil está cheio de gente que ganha bem, mas não sabe ser rica. Gente que trabalha, prospera profissionalmente, mas vive sem uma estratégia clara de construção de patrimônio. Esse é o mercado que cresce, que demanda mais que produtos: demanda visão, curadoria, inteligência e, acima de tudo, educação aplicada.
O Raio X do Investidor Brasileiro não deveria ser apenas lido. Ele deveria ser interpretado como um chamado. Um alerta para indivíduos, empresas, bankers, assessores de Investimentos, planejadores financeiros e todos que atuam no ecossistema econômico. O jogo não está apenas em vender produtos. O jogo está em educar, provocar, transformar. E, quem fizer isso antes, com mais clareza, mais didática e mais profundidade, não apenas se posiciona no mercado, lidera ele.
Porque, no fim das contas, quem não tem estratégia financeira, invariavelmente, acaba sendo parte da estratégia de lucro de alguém.
Artigo escrito por Guilherme Dultra, que é sócio da Knox Capital e head de Finanças da ANEFAC.
