Outsourcing e administração do tipo just in time estão sendo revistas
As pressões inflacionárias, presentes na economia mundial, tem impactado diretamente às empresas. Alguns fatores que podem ter contribuído são a pandemia de Covid-19 e o conflito bélico entre Rússia e Ucrânia, que trouxeram enormes desafios para os bancos centrais ao redor do mundo e para as empresas. Para Roberto Dumas Damas, estrategista-chefe do Voiter e professor de economia internacional do Insper, falar em desglobalização parece um exagero, mas o outbreak, provocado por ambos, tem levado as empresas a reverem suas estratégias de outsourcing.
Não se trata de tentar desenvolver apenas fornecedores nacionais, afinal, os próprios países que buscam uma estratégia chamada onshore também estão sujeitos a pandemias, terrorismo, acidentes naturais, além de profanar de forma exagerada as vantagens comparativas existentes em outros países. Entretanto, ele aponta que as estratégias chamadas de nearshore ou outsourcing, em países mais próximos do destino final, aparecem cada vez mais como alternativas ao offshore em países longínquos, estes últimos com riscos maiores de rupturas nos transportes, dada as logísticas mais complexas.
Algo que parece sofrer um setback relevante é a administração do tipo just in time. O especialista explica que administrar imobilizados e estoques de forma mais afiada tem se mostrado mais desafiador e arriscado em um cenário turbulento de novas movimentações no tabuleiro geopolítico. Longe de relevar a administração just in time, mas o risco atual parece não compensar os custos de uma quebra nas cadeias produtivas. “O abandono, mesmo que parcialmente do just in time, tende a aumentar o custo de produção das empresas, com uma possível retroalimentação no nível geral de preços”, pondera.
A invasão da Ucrânia pela Rússia pode ser caracterizada como um choque de oferta, assim como a eclosão da pandemia de Covid-19. Damas avalia que Vladimir Putin tem usado como arma o seu poderio no fornecimento de energia (gás natural e petróleo), bem como alimento (grãos) e fertilizantes. Juntos, os dois países, alimentam mais de 400 milhões de pessoas ao redor do mundo e suprem 15% das calorias consumidas. Tanto a Rússia como a Ucrânia são responsáveis por 28% do trigo, 15% do milho e 75% do óleo de girassol e 29% da cevada consumida no mundo.
Atualmente, mais de 26 países já impuseram restrições a exportações de grãos, de forma a atender seus mercados domésticos. “O protecionismo comercial parece ganhar novo fôlego com a guerra, o que prejudica a livre movimentação de bens e serviços. Nesse novo tabuleiro geopolítico, a fome parece se tornar uma realidade principalmente em países do Oriente Médio e da África, com prováveis impactos sociais e distúrbios políticos internos, como consequência. Maior risco mundial e protecionismo tendem a limitar o escopo das empresas transnacionais na geoeconomia e no bem-estar da população mundial”, pontua ele.
Com o aumento considerável da inflação no mundo, não somente para as famílias menos instruídas, que não sabem como preservar seu poder aquisitivo, mas também para as empresas, que encontraram maiores dificuldades em formatar seus planos de negócio com mais uma variável deletéria. Na avaliação de Damas, para os países desenvolvidos esse cenário de maior inflação é bem mais desafiador do que para o Brasil, que já tem larga experiência em operar em cenários de aumento generalizado de preços, mas não deixa de ser uma variável complicada de ser endereçada nos planejamentos estratégicos das empresas. Por isso, saber onde está, para onde quer ir e o que precisa ser feito, em um cenário estável, é uma tarefa hercúlea já com as incertezas advindas de uma majoração generalizada dos preços, se torna bem mais árdua.
O ministério da economia conta com alguns instrumentos para maximizar o bem-estar da população, que é a estabilização de preços, o crescimento econômico, a balança comercial favorável e a distribuição de renda. Para isso, conta com alguns instrumentos de política econômica, abaixo Damas avalia um por um:
Política cambial: nada a fazer aqui, pois nossa meta é de inflação e não cambial, como ocorreu de 1994 a 1998;
Política fiscal: novamente espaço limitado dado o nosso teto de gastos. Mas por que o governo não utiliza uma política fiscal expansionista, com subsídios ou simplesmente maiores gastos governamentais? O Brasil não goza da credibilidade fiscal de outros países, dessa forma qualquer tentativa de expansionismo fiscal, populista ou não, e várias tem sido adotada até aqui, fariam com que a curva de juros se inclinasse mais ainda (mais juros), prejudicando o nível de consumo e investimentos lá na frente.
Sofreríamos o conhecido efeito deslocamento ou crowding out effect. Maiores gastos com menor retidão fiscal faria com que os recursos colocados na economia fossem deslocados para financiar a própria dívida pública. Já tentamos isso e não deu certo. Foi-se o tempo de clamar que “gasto é vida”. É verdade, mas gasto tem custo e quanto menor a retidão fiscal maior o custo, que acaba limitando os impactos expansionistas de políticas sociais salvadoras, que levantam arquibancadas, mas que cobram um preço alto lá na frente.
Política de rendas de preços e salários: ora precisamos saber que tipo de economia queremos. Aquela dos anos 198O, com fixação de preços, ágio, falta de produtos a la Argentina, que certamente não funcionam, ou uma economia liberal.
Política comercial: o Brasil é um dos países mais fechados do mundo. Cabe a nós estimularmos novas parcerias e não se fechar mais para o mundo e continuarmos sendo o celeiro do mundo. Mas o mundo não precisa de mais alimentos? Então, o nosso país está em berço esplêndido? Muita calma nessa hora e segurem os rojões. A China está se aliando com a Rússia na produção de grãos, além de ter enormes investimentos na África. Longe de afirmar que no curto prazo esses países se tornarão autossuficientes em alimentos, mas a nossa posição, juntamente com o celeiro dos EUA, não nos permite dormirmos absolutamente tranquilos nos próximos dez anos. Eles estão se mexendo. E nós? Estamos desenvolvendo novos compradores? Estamos fechando novos acordos comerciais?
Política monetária: aparentemente é o que nos resta. Com o recrudescimento inflacionário testemunhado pela desorganização das cadeias produtivas, com a eclosão de Covid-19, guerra Rússia versus Ucrânia e a política desastrosa de Covid zero pela China, o aumento generalizado de preços se tornou uma realidade para o mundo. Mas deve uma política monetária contracionista ser adotada em um cenário de choque de oferta? Sim, pois apesar de maiores taxas de juros domésticas não afetarem o preço de commodities lá fora, maiores juros aqui dentro, limitam o impacto dos repasses desses mesmos aumentos para todos os consumidores, via menor demanda. Afinal, a formação de preços, nada mais é do que a conjunção de oferta e demanda. Menor oferta deve ser acompanhada de menor demanda, ou os preços seriam livremente repassados para um consumidor mais ávido por consumo.
Maiores taxas de juros aqui dentro, apesar de meritórios e necessários para que o aumento de preços internacionais não seja repassado livremente para o consumidor final, acabam por suscitar uma menor atividade econômica no curto prazo, afetando o desempenho operacional e financeiro das empresas locais e limitando o nosso crescimento econômico.
Para lidar com o aumento da inflação e a questão da guerra, Damas acredita que as áreas de administração de risco das empresas devam ocupar um assento mais relevante dentro do planejamento estratégico. Por menor que seja a probabilidade de um cenário de stress, se esse cenário culminar com a morte organizacional, é imperioso analisá-lo, avaliado e mitigado, na medida do possível, ou que os acionistas e administradores tenham plena consciência de suas consequências.
“Desprezar cenários catastróficos de guerra, pandemia e ruptura das cadeias de suprimento e consumidores deixou de ser uma opção, apesar de uma alocação de probabilidade baixa. Probabilidades baixas em cenários não catastróficos, dado o novo cenário e as experiências recentes podem ser relevados, mas urge que mesmo em cenários de baixa probabilidade de hecatombe organizacional, o resultado deste deve ser analisado, mitigado por um gabinete de crise constituído para tal”, finaliza Damas.