A agenda econômica e política brasileira para 2023 começa a se desenhar ainda que em meio a muitas instabilidades. Com o novo presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, estabelecendo o grupo de ministros, que fará parte do seu governo, aliado à condução do processo de transição o mercado começa a dar sinais positivos e negativos ao mesmo tempo que recebe as informações.
Tentar desenhar o que vai acontecer com o país no próximo ano ainda é bastante complicado, mas para tentar trazer alguns insights aos empresários, a ANEFAC realizou em São Paulo, no dia 30 de novembro, jantar palestra com o tema Cenário Político definido: que Brasil teremos a partir de 2023?
A abertura foi feita pela presidente nacional da ANEFAC, Marta Pelucio, e a condução do painel por Gennaro Oddone, conselheiro da ANEFAC e sócio na Calcio Participações. “Entre os pontos de destaque, como a PEC de transição, inflação, possibilidade de recessão mundial, juros altos, o mais importante é que a economia mundial segue desacelerando, desta forma, o Brasil precisa começar a desenvolver algumas reformas para tentar voltar a crescer”, pontuou.
Marta Pelucio, presidente nacional da ANEFAC
Para Alan Camilo, CTO da BlueShift Brasil, apesar de haver uma grande indefinição dos cenários políticos, ainda é possível ser otimista, pois sempre que existem problemas, aparecem oportunidades de fazer algo inovador. “As empresas vão ter que se reinventar dada a atual circunstância. Na área de dados, por exemplo, que atuamos, sempre surgem novos padrões de informações e de otimizações para gerar resultados”, avaliou.
Na visão de Leonardo Magalhães, CFO e RI na Cemig, no mercado de energia tudo irá depender do novo ministro, mas a empresa acredita que precisa fazer investimentos no próximo ano em suas concessões. “Dentro do que se espera do setor de energia, haverá uma demanda grande por fontes renováveis em razão da renovação da matriz energética mundial, estamos buscando um protagonismo nesse sentido”, pontua.
Brasil deve continuar sendo um país medíocre em 2023
Na visão de Vítor Oliveira, professor de ciências políticas na FGV e diretor na Pulso Público, a economia já não está crescendo e isso não pode continuar. “Atualmente, vivemos um processo que é de coalisão no núcleo político, o que é normal em países multipartidários, especialmente os que são parlamentaristas. Apesar de o Brasil ser presidencialista, do ponto de vista de funcionamento, está mais próximo do parlamentarismo. O momento é complexo e envolve administrar muitos interesses, isso faz com que as negociações gerem muito ruído e nada fique tão claro. Por isso, o mercado deve ter calma ao tomar decisões de longo prazo”, disse.
Ele acredita que o presidente Lula vai assumir um espaço deixado pelo presidente Jair Bolsonaro, de negociação com o Congresso e Senado, estando mais presente na discussão das pautas. “Temas importantes estarão na agenda dessas casas, como a própria Reforma Tributária, os custos fiscais, o aumento de impostos, a questão militar, o Bolsa Família, a agenda ESG e outros. Vamos evoluir no relacionamento do executivo com o legislativo. É preciso ter uma relação boa com o Congresso”, relatou.
Na interpretação de Oliveira, o novo governo entende que a Reforma Tributária pode ser uma alternativa para aumentar a produtividade da economia. “A discussão sobre o projeto atual deve voltar. No começo de um novo governo é natural ter uma comunhão maior de interesses. Há um estado de união entre os parlamentares e o presidente, pois não há outros interesses em pauta como o de uma reeleição. O governo deve vir no primeiro ano com uma agenda de reformas muito maior. Considerando o momento, fazer a Reforma Tributária pode ser uma oportunidade, é claro que não podemos esquecer ainda dos conflitos que o texto traz em relação a determinados setores”, explicou.
Para o governo se manter pelos próximos anos, é preciso que haja uma melhora do crescimento do país. Ele entende que para isso, olhando o perfil do governo petista, haverá uma agenda de projetos mais negociada. “Vai ter uma coisa que não vimos nos últimos anos, que é um impulso vindo do presidente. E isso talvez assuste porque o impulso pode não ser necessariamente aquele que está na mesma direção do mercado. Talvez na questão ambiental sim, devemos ter ganhos com uma agenda de políticas ambientais mais fortes, mas têm muitos desafios do passivo eleitoral para resolver como a merenda escolar, o Bolsa Família etc. Para chegar ao fim dos quatro anos, o governo precisa ter uma relação saudável com o Congresso e com uma parte da sociedade que votou nele”, ponderou.
Com relação ao ajuste fiscal, Oliveira pontua que é difícil porque o governo precisa lidar com os interesses da união, dos estados e das prefeituras. “A tendência é que alguns setores paguem mais imposto e o próprio governo assuma os demais custos. De 2017 para cá, uma coisa boa que aconteceu foi a reforma da redução de fragmentação partidária. É uma questão fundamental hoje entender quais partidos políticos possuem relevância na Câmara. Esse número caiu, estamos indo para um patamar melhor, mais razoável do ponto de vista de custo e negociação. Fica mais fácil manter o andamento dos projetos e gerar menos instabilidade política”, analisou.
Desta forma, ele acredita que têm algumas questões importantes a se pensar: o Brasil é governado desde 1938 não apenas por quem comanda o executivo, mas pela coalisão. “O governo não é apenas a presidência, mas a presidência com a maioria no Congresso. Isso faz com que se tenha uma estabilidade de políticas públicas para o bem e para o mau. É isso que nos impede de ter cenários extremos. Provavelmente 2023 não vai ser um ano apenas de euforia e assim será até as próximas eleições presidenciais. Haverá episódicos de euforia e depressão, mas no longo prazo o país terá um resultado medíocre. E, por último, além dessa questão de prestar muita atenção na coalizão, a maioria no Congresso realmente vai dar de fato o termômetro de para onde se está indo”, alertou.
Outra questão importante, pontuada por Oliveira, é que está havendo a mudança de característica de um líder político. Embora o presidente Bolsonaro tivesse um discurso relativamente agressivo e de choque, não era de controle. “O discurso era de choque, de confrontação. Mas, ao mesmo tempo, possuía uma atitude política de pouca interferência. Podemos gostar ou não do Bolsonaro, mas como a presidência se ausentou permitiu que uma determinada direção fosse seguida pela preferência do Congresso. Agora, vamos ter uma mediação. Isso não quer dizer que é melhor ou pior, mas é uma postura diferente. E, por fim, ressaltar que Lula pode ter muitos defeitos, assim como várias qualidades, mas ele tem uma característica que é a da concertação. Ele vai negociar, não vai ser de choque e assim vamos continuar navegando”, esclareceu.
País precisa urgente de uma Reforma Administrativa
Na avaliação de VanDyck Silveira, vice-presidente de economia da ANEFAC, a grande preocupação é parte fiscal do Brasil. “O país está desancorado fiscalmente. Ele tem uma simbiose entre gastos, populismo e inflação disparada. São pontos extremamente relevantes nesse momento para ditar o futuro”, disse.
A primeira questão, na visão dele, é que se todas as promessas do novo governo forem cumpridas em um ou em quatro anos, se está falando de um gasto de bilhões acima do orçamento. “O governo precisa entender que existe algo chamado descrição orçamentária. Como não se pode fazer mais dívida, que está alta, a outra alternativa é a inflação. O processo inflacionário brasileiro não foi bom, por isso é impossível cortar juros em 2023”, alertou.
Um grande problema, é o juro influenciando a dinâmica da dívida. Segundo Silveira, somente em 2022, com uma taxa Selic média de 11% ao longo dos 12 meses, o pagamento de juros vai bater entre R$ 580 bi, o que representa mais de 5% do PIB, e em 2023, com uma Selic média de 12.5% chegará nos R$ 620 bi e pode passar do patamar histórico e atingir mais de U$ 120 bi em juros. “Isso deixa todas as possibilidades de gastos com investimentos do lado de fora. Não revisar essa questão dos gastos é extremamente complexo”, pontuou.
Com relação a Reforma Tributária, ele pontua que do jeito que o texto está construído, é totalmente desnecessário. “Como podemos fazer uma que funcione, se o custo não cabe no Brasil. Fazer uma Reforma Tributária agora é como fazer uma casa sem ter o alicerce fundamentado. A ordem dos fatores é importante. Não podemos fazer uma reforma sem antes saber quanto realmente o país vai custar. O Brasil primeiro precisa de uma Reforma Administrativa, de um orçamento participativo. Precisa arrumar a casa”, avaliou.
Silveira entende que a preocupação maior deve ser com o longo prazo. “Um governo não pode ter de 4% a 6% do orçamento para tomar decisões importantes de investimentos. Hoje é isso que sobra, pois de 93% a 95% do orçamento são despesas obrigatórias. Esse é o primeiro ponto a ser discutido. É o nosso voluntarismo em ser socialmente legal que trava decisões políticas econômicas importantes”, disse.
Para ele, o Brasil não é para amadores. “Nos últimos 40 anos, o crescimento médio do PIB foi pífio. Nesse mesmo período, o mundo cresceu 3%, os países emergentes 6% e o Brasil 1,5% ao ano. Só para acomodar os entrantes, precisaria crescer 3%. O motor de um país é a produtividade, não podemos desassociar ganho de salário-mínimo com produtividade. A última vez que o Brasil teve ganho real de produtividade do trabalho foi em 1962. Essa é a realidade. Outro ponto, é que a carga tributária é desigual e muito acima de alguns países. O país é um dos com as taxas mais altas no mundo impedindo assim as empresas de contratarem mais”, ressaltou.
Centrão é que deve ser o moderador da política econômica brasileira
Avaliando o cenário pós-eleição, Victor Scalet, estrategista e analista político na XP Investimentos, pontua que o destaque no primeiro turno ficou por conta da eleição da grande bancada bolsonarista na Câmara e no Senado. “O mercado teve uma resposta bastante tímida a isso pensando que o Congresso era mais de centro direita, mesmo com o PT sendo eleito, haveria uma força mais moderadora em termos de política econômica. Entendemos que as pessoas estavam erradas, porque o centrão não é fiscalista. Essa bancada talvez vá moderar o Lula nas pautas mais fora da caixa, mas na parte fiscal não”, pontuou.
Além disso, ele explicou que essa questão de que o centro-direita foi o grande vencedor dessa eleição não é verdade. “Fizemos um levantamento individual de todos os eleitos, e os bolsonarista de verdade são em média 110 parlamentares. A esquerda que oscila nos últimos anos é de 130 mais ou menos e não conseguiu bloquear a agenda bolsonarista por exemplo. A grande questão para o próximo presidente é como ele vai gerir a coalisão. Não é o bolsonarismo que vai moderar o Lula, mas sim os partidos de centro. A questão não é o gastar, mas sim onde se vai gastar, é isso que os políticos irão olhar”, relatou.
De acordo com Scalet, não se está preocupado muito pelo tempo que a PEC de gastos vai durar, mas o tamanho dela. “Qualquer cenário analisado paira a dúvida sobre o caminho fiscal que o país irá tomar, pois as pressões para mais gastos estão dadas, independentemente do posicionamento político, por exemplo, é o excedente do custo com o auxílio emergencial, que por si só inviabiliza o teto de gasto para 2023. A grande discussão para o próximo ano é qual o arcabouço fiscal para o Brasil, quanto se quer gastar a mais e qual a regra fiscal que irá substituir o teto de gasto”, pontuou.
Para ele, a dinâmica será muito mais de quantas vezes o centrão vai cobrar a fatura da aprovação da PEC. “Mesmo que seja aprovado, por exemplo os R$ 80 bilhões, que vai custear a principal despesa, é como se dará a discussão sobre as demais despesas para manter a roda funcionando. Um caminho pode ser entre R$ 120 ou 130 bilhões, mas o problema é o ruído em torno de tudo isso. O certo e que deve acontecer é que o Brasil vai tomar um caminho mediano. O Brasil daqui cinco anos não vai ser a Suíça e nem a Argentina”, avaliou.
Sobre a Reforma Tributária, Scalet acredita que ela está no mesmo ponto que estava a Reforma da Previdência no governo Temer. “O debate está bem avançado com a sociedade, sabemos dos pontos de conflitos, as perdas e os ganhos. O governo chega com força para empurrar uma Reforma Tributária. Todo mundo sabe que é a próxima, que não é fácil de fazer, que é complexa por ter ganhadores e perdedores na sociedade, como os entes federativos. Mas, a maluquice do sistema tributário brasileiro é tamanha que todos entendem que é necessário mudar. Se as empresas não têm um contencioso já para pensar no impacto dela nos negócios, é melhor ir se preparando para 2023, entendendo perdedores e ganhadores”, advertiu.
Ao finalizar, Scalet pontua que para o próximo ano, se deve esperar do Brasil o que ele sempre foi. “Com seus problemas e oportunidades e todos nós tentando explorar as oportunidades como sempre fazemos. Devemos ter cuidado em achar que tudo dará certo, mas também que tudo dará errado. O que devemos é avaliar o cenário que mais atrapalha o nosso dia a dia”, disse.