O mercado de criptoativos está em ebulição. O interesse pelos ativos digitais cresceu nos últimos anos de forma exponencial. Porém, as empresas ainda têm dúvidas sobre como geri-los e tributá-los. Segundo Thammy Marcato, diretora de Transformação Digital da ANEFAC e transformation architect na KPMG & Distrito Leap, que palestrou no 9º Circuito da Transparência: Tributação de Criptoativos, realizado pela ANEFAC dia 28 de junho, a temática tem tomado grande espaço nas discussões por ser relevante dentro da nova economia, por causa do shift financeiro que ocorre no mundo todo, bem como pelo impacto do blockchain no mercado de autenticação e por todas as oportunidades que estão nascendo com o metaverso. “A primeira coisa é olhar para a volatilidade, pois é um ativo volátil, e como se insere dentro dos negócios”, diz.
Em 2017, o mercado de criptomoedas, que era, majoritariamente, concentrado em bitcoin, começou a gerar percepção de valor e passou-se a entender o poder de se ter um ativo digital sem a necessidade de um agente coordenando. A partir daí nascem outras moedas, cada uma com características próprias, incluso ativos como as NFT (Non Fugible Tokens). À medida que há esse movimento, as agências reguladoras trabalham para classificar os criptoativos. Hoje, a discussão é justamente a regulação. Muitas empresas têm utilizado aquelas existentes, como por exemplo, as NFTs dentro da propriedade intelectual.
No final de junho, de acordo com dados do Coingecko, o mercado de criptoativos estava valendo $ 986 bilhões. Em 24 horas, caiu na sua totalidade 2,4%. O total de cryptocurrency trading foi de $ 56,8 bilhões por dia, sendo 40% de bitcoin. Naquele momento, existiam mais de 13 mil tipos de criptomoedas, mas a concentração é de 50% em duas e os outros 50% nas demais.
Na visão de Marcato, a diferença do processo de cripto para a precisão da moeda é o fungível e infungível. Quando o primeiro é a discussão de que não se diferencia um ativo do outro, classificando o que é tangível do que não: o tangível é uma cédula ou uma barra de ouro e o intangível é digital, a bitcoin, por exemplo. Já o infungível significa que se consegue diferenciar, no tangível é uma obra de arte e no intangível é uma obra no mundo digital ou uma NFT. “O impacto na tributação é a natureza. No caso dos criptoativos, a natureza é diferente”, explica complementando e mostrando os tipos criptoativos existentes com base na classificação do Blockchain Research Institute – Don Tapscott:
– criptomoedas/token de pagamento (depósito de uso geral de valor ou troca) ativo transparente e rastreável (bitcoin), mesmo aqueles que são desenvolvidos para não serem (Monero);
– tokens de plataforma (plataformas de blockchain) são os criptoativos desenhados para que a plataforma o funcione, os mais conhecidos: Ethereum e o ESO;
– tokens de utilidade (acesso digital a um aplicativo ou serviço) quando aquele token serve para algo como o caso do Golem e Fun;
– tokens de investimentos (conceitos como “tokenização” e “propriedade fracional”) é quando se tem um token e se espera o lucro, como o Ethereum ERC-20;
– tokens de coleção/NFTs (são propriedades únicas, não podem ser duplicadas, existe a posse de algo);
– tokens de ativos naturais (bens tangíveis em mercados estabelecidos, como ouro e petróleo, ou em mercado de fronteira, como carbono, água e ar);
– stablecoins (ativo amarrado a outro ativo ou moeda).
Tributação dos criptoativos no âmbito federal
Em termos de futuro, é preciso esperar o Código Tributário Nacional (CTN) equiparar as questões regulatórias dos criptoativos. Deve surgir uma norma que vai abranger os códigos de pagamentos e, a partir de aí, surgirão as consequências tributárias. Para Daniel de Paiva Gomes, cryptolaw partner no VDV Law Firm, que palestrou no evento, há uma taxonomia camaleônica dos criptoativos. Existe uma dualidade: de um lado, a função desempenhada pelo ativo e seu conteúdo econômico, que evidenciaria essa natureza camaleônica dos criptoativos, e de outro, a criação de alguma estrutura, mecanismo ou sistema ficcional ou de presunções, que iria simplificar a categorização e a qualificação para fins jurídicos. “O que vai determinar, se será um ou outro caminho, é a maturidade do ecossistema”, pontua.
Alguns estudos mostram que até o momento nem 5% da população mundial utiliza criptoativos. Desta forma, ainda não existe uma adoção de massa crítica e qualquer criação de tributação seria ficção ou presunção e na contramão do que a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) tem pregado sobre legislação e tributação da economia digital. Para Gomes, o mais adequado é reconhecer a natureza camaleônica do ativo digital a depender, para fins tributários, do modo com que o usuário interage, o perfil dele e a habitualidade com que desenvolve a atividade. As funções e o conteúdo econômico performados pelo criptoativo são similares ao do ouro. Outro ponto é avaliar se são ativos nativos digitais, como o bitcoin, que são as unidades dentro do blockchains, ou a tokens, que não são nativos.
Falar sobre IPVA e IPTU no metaverso é leviano, confundir o que se vê na telinha, uma representação lúdica de um pedacinho de terra virtual, que não é móvel e, claramente, não é imóvel ou um carro dentro do ecossistema virtual que não é um carro é equivocado. Gomes explica que não há um consenso internacional sobre a taxonomia dos criptoativos ou de como irá se desenvolver, mas analisando dentro de uma perspectiva tributária, há uma categorização tríplice: tokens de pagamento, de utilidade e de segurança. Hoje, existe uma isenção na União Europeia para tokens de pagamento. Na forma que a Sefaz de São Paulo decidiu que não incide ICMS na compra de bitcoins, que não é mercadoria, mas faz as vezes de um meio de pagamento. A forma não se sobrepõe ao conteúdo. No mundo real nada mudou em termos de registro contábil. “Analisamos muitos mais o conteúdo econômico da operação para outorgar os efeitos tributários em nível federal, como na tokenização, para pagamentos recebidos em cripto. Se hoje se presta um serviço em assessoria jurídica e recebe o pagamento em criptoativos, a tributação é normal de provisão de serviço jurídico, nada mudou”, aponta.
Já em termos de contabilidade do bitcoin à luz das IFRS e aspectos tributários, é preciso analisar a essência. Para Marta Pelucio, presidente nacional da ANEFAC e sócia da Praesum Contabilidade Internacional, a preocupação é o que o investidor enxergará nas demonstrações financeiras publicadas pela empresa, pois a informação contábil tem que ser compreensível. Atualmente, não existe uma norma específica para tratar os criptoativos, mas alguns direcionamentos como procurar normas, de acordo com a IAS 8, que possuem características semelhantes. O IASB (International Accounting Standards Board) vai na linha da análise da essência. “Fizemos uma busca de artigos, encontramos um que listou 17 características do bitcoin. Realizamos análises, respeitando o que está no framework, que mostrou, em termos de aspectos contábeis, que o bitcoin possui em termos de características: 71% de moeda, 53% de instrumento financeiro e 47 de intangível”, avalia.
Enquanto, na visão de Antonio Augusto Dias, procurador da Fazenda Nacional, que palestrou no evento, em geral, há uma dificuldade de classificação de todos os criptoativos que são nativamente digitais. Ele acredita que existe uma conjunção de fatores dificultando a disciplina de classificação, e uma delas é a inventividade humana: a natureza humana de inventar cada vez mais coisas novas e transformá-las, neste caso, a questão nativamente digital, não necessariamente está vinculada ou atrelada a elementos físicos. “À medida que passamos mais tempo no mundo virtual, será mais difícil a tarefa de classificar e categorizar porque naturalmente, temos a bagagem daquilo que enxergamos no mundo físico”, pontua.
Com relação ao direito tributário, segundo Dias, a dificuldade de classificar o criptoativo reside na tradição de que o Brasil tem sobre à liberdade tributária e na doutrina majoritária de que adota uma legalidade tributária fechada. No sentido que os fenômenos tributáveis têm que ser rigorosamente delineados, primeiro na constituição ou competência tributária e depois na lei, ao instituir e ao prever o fator gerador dos tributos. Sendo assim, é preciso lidar de um lado com essa tradição da legalidade tributária fechada e de outro com a dificuldade de classificar.
Neste ponto, existe uma construção de jurisprudência do STF (Supremo Tribunal Federal), de sair da legalidade fechada, de admitir a complementação do aspecto quantitativo da base de cálculo de alíquotas por meio de atos legais, como a questão do seguro de acidentes de trabalho nos estados, que é uma sobre o grau de risco, risco médio grave, entre outros. Um exemplo recente, que mostra que o STF vem adotando uma postura de flexibilizar a legalidade tributária, é a possibilidade de um decreto de reduzir e reestabelecer alíquotas no caso de PIS/COFINS. Existe ainda uma proposta de lei, um projeto, nos Estados Unidos, de junho, que trata da tributação dos ativos digitais, e lá se criou uma comissão e um comitê para estudar e classificar os criptoativos, não existe uma lista, mas sim o reconhecimento da dificuldade de entender esse meio distribuído e descentralizado e essas inovações proporcionadas pela tecnologia blockchain.
Outro exemplo, citado por Dias, é em relação ao metaverso e as NFTs, que são os ganhos obtidos em jogos, como quando um jogador adquire personagens e eles são NFTs, estão registrados na blockchain, negociados no marketplace, e podem comprar criptomoedas. Na época, cada ‘criatura’ chegou a custar $ 400, criou-se um sistema de aluguel e dividiu-se os ganhos com o proprietário da NFT, no ambiente da receita federal a alienação de criptomoedas deve ser tratada como ganho de capital. “E aí existe uma complexidade, se uma pessoa trabalha para outra, poderia ser entendido como uma nova relação de trabalho, não convencional, e ser tributado como rendimento do trabalho ao invés de alienação, por exemplo. Entender o conteúdo, a natureza econômica e os efeitos, que vai ter no campo tributário já é complexo, mas pode ser ainda pior aplicar a legislação tributária, como por exemplo, corretoras descentralizadas, que atuam implementando o código, entregam o código e não precisam de mais ninguém. Existe essa ideia de descentralização quase que absoluta, total”, avalia.
Tributação de criptoativos em nível municipal
No âmbito municipal, a situação também é complexa. Eduardo de Paiva Gomes, sócio no Vieira, Drigo, Vasconcellos e Paiva Gomes Advogados, que palestrou no evento, enxerga dois pontos relevantes que acabam se interconectando no contexto dos criptoativos. Antes de analisar o fenômeno, é importante entender o conceito de mercadoria e serviço, em um julgamento recente no STF, que levou 20 anos para analisar tributação de software, e não entendendo que o bitcoin seja um software, mas que está no contexto das novas tecnologias, concluiu-se que não haveria ICMS na licença de software porque não teria transferência de titularidade e decidiu-se pela incidência ISS. “Aqui o ponto de destaque é que o conceito de mercadoria não estaria estrito a bens físicos, bens tangíveis, abrangeria também os intangíveis”, ressalta.
O segundo ponto, analisando a jurisprudência do STF sobre ISS, Gomes entende que o conceito de serviço tributário sofreu leves alterações, que o ISS não incide apenas sobre a obrigação de fazer, também incide sobre as obrigações mistas, aquelas indissociáveis da contrapartida financeira e jurídica. Como exemplo, cita o julgado de franquias e o aluguel de ferrovias, para sintetizar que o ISS é sobre a obrigação de fazer e a obrigação mista, não sobre as atividades puramente de dar.
Sobre o fenômeno, um grande debate é a tributação da mineração, que é a validação, usando o bitcoin como exemplo, Gomes partindo do ponto que a mineração é a prova de trabalho do algoritmo que tem o poder computacional despendido para a solução de problemas matemáticos para a validação da transação e fazer, sendo assim, o bitcoin destinado a outra pessoa passando por um processo onde todos os participantes da rede validam a transação, acontece a mineração sob a perspectiva jurídica. “A dúvida que surge é se a pessoa jurídica, decidida a fazer mineração, importa as placas, estrutura a mineradora etc. deverá recolher ISS sobre a atividade. Se encarada como uma perspectiva de validação pode ser entendida como serviço. No caso do bitcoin, tem aqui um disclaimer que pode ser relevante para outros protocolos, na promoção do bom senso, a controvérsia seria qual parcela seria serviço. Não se deve tratar os criptoativos da mesma forma”, adverte.
Nesta mesma linha, Thiago Brehmer, financial services lead partner da Grant Thornton Brasil, que palestrou no evento, é vital desmistificar algumas coisas e não existe uma resposta categórica, apenas que não se deve tratar tudo igual. Alguns elementos que vem sendo discutidos do ponto de vista contábil relacionado aos criptoativos, são quais caminhos podem ser seguidos. Para começar, ele acredita que é o conceito de moeda, que é um meio de troca, e, neste caso, é uma moeda, mas existem outras definições importantes.
Do ponto de vista contábil, Brehmer avalia que para que se considere dinheiro digital e se contabilize como moeda, uma discussão superimportante, é o fato de que os criptoativos, por exemplo, não são emitidos por um governo ou Banco Central. “Na perspectiva do IASB, essa é a principal explicação para que nem todo criptoativo seja tratado como moeda, mas sim avaliar quando será transacional ou para investimentos. Existe, ainda, o conceito de equivalência de caixa que distanciam um pouco os criptoativos de moeda de caixa propriamente dito. Conceitualmente, uma criptomoeda é uma moeda, porque se compra, vende e transaciona, mas ao mesmo tempo, do ponto de vista contábil, existem algumas incongruências que não nos possibilitam ser taxativos”, pondera.
O segundo ponto, neste sentido, sobre criptoativos financeiros, em termos de classificação e mensuração, é que muitas vezes a compra de uma moeda digital tem conotação de investimento, a grande discussão, na percepção de Brehmer, que inclusive é trazido pelo Marco Legal Brasileiro, é que não se pode dizer que se realizou um investimento em uma criptomoeda esperando retorno. Essas questões mostram que a evolução dos criptos vai mudando assim como a essência de cada transação e pode variar na regulação aplicada. “Se está estudando qual caixinha vai cada questão, sendo necessário segmentar e entender a natureza de cada ativo e transação. O grande ponto contraditório é o tratamento do criptoativo como ativo intangível”, diz.
Voltando a questão do ISS, Alberto Macedo, coordenador do GT de Reforma Tributária, instituído pela Secretaria Municipal da Fazenda de São Paulo, que palestrou no evento, acredita que o criptoativo tem várias facetas e, como qualquer objeto, pode ser abordado de vários ângulos. Do ponto de vista tributário, sobre o imposto de serviço, o ISS, uma característica, que é muito diferente do aplicado no mercado, nos anos 70, é que serviço é um bem imaterial, nessa ‘pegada’ é importante justamente a essência do negócio.
De acordo com a lei, o ISS não depende do serviço prestado, porque, segundo Macedo, o nome do contrato é o de menos, o que interessa é o objeto que está sendo negociado. Para ele, é importante entender o objeto, e, no contexto de criptoativos, é bem aplicável. Como a essência prevalecer sobre a denominação do objeto, como exemplo, o caso da impressão 3D: imprimir peça de um produto qualquer é completamente diferente de imprimir uma casa. “Existe a flexibilidade da materialidade principalmente quando o objeto se encontra na fronteira entre uma coisa e outra. Agora, quando se fala em bens materiais é difícil entender o criptoativos como bem material, como a NFT, por exemplo, como seria o enquadramento, por isso a relevância do conceito de serviço. Acreditava-se numa evolução do conceito de serviço à medida que a economia evolui-se, mas não aconteceu”, explica.
Tributação de criptoativos em nível estadual
Em termos de conceituação, as NFTs são registros de log de transação realizados em tecnologia de livro razão público distribuído, que representam itens do mundo real ou digital e funcionam como um certificado digital de sua autenticidade com propriedade exclusiva. De acordo com Carlos Eduardo De Biasi, sócio de serviço sênior da equipe tributária no Vella Pugliese Buosi Guidoni Advogados, que palestrou no evento, a NTF não contém um pedaço da arte digital, música ou vídeo, propriamente dito, mas uma espécie de registro contábil, que aponta para um ativo digital ou link, podendo estar atrelado inclusive a recebimento de um ativo tangível ou direto relacionado geralmente a colecionais: obras de arte, fotos, vídeos, destaques esportivos, avatares, imóveis, terrenos virtuais, ingressos para eventos e espetáculos e diplomas.
Na relação jurídica, a depender do que é estabelecido na negociação, os direitos de uma NFT podem ser de propriedade ou não. Já o bitcoin, De Biasi aponta que não existe fisicamente, mas sim o registro assim como a NFT. “Uma coisa que a NFT trouxe é a possibilidade de fracionamento, uma NFT pode ser dividida e negociada, compartilhando o ativo, utilizando como garantir, para um empréstimo etc. Pensando em tributação, imagina-se um cenário onde tem uma obra de arte sendo negociada, entre os envolvidos estão o autor, o marketplace, o comprador e pode existir ainda o comprador secundário, na venda da NFT pode ter: IRPF, discussão sobre os custos de elaboração, royalties, comissão, ganho de capital em caso de futura alienação, receita de terceiros, pagamento de PIS/CONFINS/CSLL e por aí vai, sempre a depender do tipo da transação”, adverte.
Já sobre tratamento contábil dos criptoativos, Fernando Dal-Ri Murcia, professor do departamento de Ciências Contábeis e Atuariais da Universidade de São Paulo (FEAUSP), que palestrou no evento, além de tudo isso, talvez seja importante desenvolver uma política contábil. Focando mais em estoque e mercadoria, o primeiro ponto que ele traz é que não existe uma norma específica. No caso concreto, contabilizar transação, mensurar e divulgar o documento que se recorre nesses casos é o CPC 23, que diz basicamente que tem que desenvolver a política contábil a partir do exercício de norma pertinente, utilizando a analogia, os princípios gerais e a estrutura conceitual.
Guardadas as devidas restrições da estrutura conceitual da contabilidade, assim como a Constituição estaria para o próprio direito, no passivo receita despesa e o objetivo das demonstrações financeiras, quando o contador e o operador da contabilidade se deparam com uma transação para a qual não existe norma, na avaliação de Murcia, tem que desenvolver algo e se espelhar na sua estrutura conceitual. “A diversidade do tema mostra que não tem uma resposta única. As diferentes espécies de criptoativos não podem ser enquadradas em um único modelo, categoria, então, vai caber a cada contador, a cada empresa, no caso concreto, analisar a transação e aí sim, dar um tratamento contábil que seja aderente às normas do CPC que faça consonância às normas internacionais. A contabilidade, diferentemente do direito tributário, está preocupada mais, obviamente, com o foco informacional. Ela considera a informação para o usuário”, analisa.
Qualquer decisão, aplicação ou desenvolvimento de norma contábil, no caso concreto, para contabilizar criptoativo, tem que analisar todo o panorama. A primeira, segundo Murcia, é o elemento, o ativo propriamente dito. “Ele pode ter natureza tangível e inteligível consigo, característica monetária ou não, como se relaciona com o mercado financeiro, não dá para analisar um ativo, um elemento da contabilidade isoladamente. Existe uma discussão do mercado de criptomoedas como moeda, de que, de certa forma, os bitcoins se assemelhariam a algum tipo de ouro digital, mas avaliando como se comportou nesse ano, que teve uma queda e desvalorizou, poderia ser um ativo de risco”, reflete.
Além disso, do ponto de vista de estoque, outra questão é analisar a empresa, a depender do modelo de negócio se contabiliza um imóvel, por exemplo, de forma diferente avaliando se for uma incorporadora, uma empresa normal ou uma administradora de shopping. O ativo pode ter classificações distintas. “Especificamente sobre criptomoedas, segundo o IFRIC, o tratamento contábil, mantido para a venda no curso normal dos negócios, pode ser estoque de ativo circulante, não mantido para venda, valor justo menos custo para vender, e por aí vai”, ressalta Murcia.
Enquanto, Luciano Garcia Miguel, diretor da Consultoria Tributária SEFAZSP, que palestrou no evento, olhando para o mundo dos criptoativos, em termos de tributação, avalia que é perspicaz entender que ferramental existe dentro do modelo constitucional brasileiro para o mercado de bens e serviços, pois todas as transações são tributadas hora pelo ICMS hora pelo ISS. Ele explica a diferença de mercadoria e serviço: serviço é uma prestação de qualquer coisa que seja útil e mercadoria pode ser entendida como todo bem transacionado dentro de um contexto mercantil. Neste ponto, toda operação com bem que se destina a trazer algo dentro do mercado tradicional a tributação pode ser o ICMS.
Paralelamente, existe o serviço financeiro, a moeda, o meio de pagamento e serviços lastreados em bens e serviços, quando se adquire uma ação, é um ativo financeiro, do ponto de vista de como isso se aplica ao mercado de criptoativos, Miguel lista três grandes categorias: 1 – criptoativos pay tokens, que são utilizados como meio de pagamento, não tem incidência de ICMS; 2 – security tokens, que representam direito sobre determinados bens, por exemplo, uma obra de obra, não tem ICMS; e 3 – tokens de utilidade, se realmente não se está diante de uma transação de mercadoria, está havendo a transmissão de domínio, se houver a possibilidade de disponibilidade desse bem pode haver o ICMS.
Situação de criptoativos em nível de regulamentações globais e nacionais
Dentro dos aspectos tributários e contábeis, numa perspectiva de reguladores globais, Rodrigo Bauce, sócio-diretor da área de Financial Risk Management da KPMG, que palestrou no evento, aponta que a discussão está ocorrendo em nível de levantamento individual e coletivo em torno da política de inclusão de ativos digitais. “As principais questões regulatórias a serem levadas em conta, são proteção do cliente, do investidor, da operação em plataforma e custódia, da estabilidade financeira, da segurança nacional dentro de um pressuposto de marco regulatório e orientação de supervisão”, pontua.
Em 2021, houve R$ 215 bilhões no Brasil de ofertas de compra e venda de criptoativos, um crescimento de 6 % como alternativa de pagamento. Bauce entende que hoje no mercado regulatório, nos Estados Unidos, o presidente assinou uma ordem orientando as agências específicas federais a reportarem as transações sobre criptoativos e ativos digitais, incluindo a consideração de potenciais novas regulamentações e ou legislações, com a finalidade de evitar lavagem de dinheiro, terrorismo etc. “A tendência é que outros países comecem a seguir esse caminho. A US I SEC, por exemplo, se manifestou sobre as plataformas de registro de exchanges; a custódia de ativos digitais; os stablecoins (políticas relacionadas a estabilidade financeira e monetária, ao potencial de atividades ilícitas e operações aos investidores, conflito de interesses e integridade do mercado); e os tokens (registro na SEC incluindo ofertas de compras e vendas desses ativos com a SEC e requisitos de divulgação)”, explica.
No Brasil, ele aponta que se criou um Marco Regulatório em abril desse ano, onde as corretoras necessitarão de autorização do poder executivo, prevendo fiscalização, qual órgão será o fiscalizador, apontando a necessidade de registrar as transações, bem como ter critérios, tudo focando também em prevenir crime de fraude em prestação de serviços virtuais (tipificação) e criar uma segurança.
Em termos de cooperação internacional, organizada pela OCDE, Rodrigo Lazaro, diretor executivo de Reforma Tributária ANEFAC e sócio da FCR Law, que palestrou no evento, pondera que é necessário entender como será o comportamento sobre o rastreamento de criptoavitos, o que potencialmente poderia acontecer, bem como o comportamento do investidor, caso haja um controle das operações de tranding entre essa troca de ativos.
O plano global de transparência global, para Lazaro, por causa da forma desentralizada que se encontram os criptoativos não possuem uma forma de rastreabilidade do destino da aplicação desses recursos, que podem ser chamados de os novos paraísos fiscais. “Toda essa ideia de alta mobilidade do capital, essa escuta entre as jurisdições para atingirem esse novo mercado traz de fato uma oportunidade para alguns países, que não possuem uma certa tradição de investimento internacional nesse tipo de recurso, em captar os criptoativos, o que vai levar a uma concorrência tributária e organização entre os países”, ressalta.
Há uma preocupação da OCDE e haverá uma mobilização para a localização dos criptoativos no exterior como mostra a proposta de inclusão, nas regras do Common Reporting Standard (CRS), visando a troca automática de informações entre países sobre operações com criptoativos (Crypto-Asset Reporting Framework – CARF). “A perspectiva de que cada país tenha essa troca de informações fiscais e viabilize isso por meio de tratados multilaterais. A ideia é que a instituição financeira reportante do CRS vai reportar a existência desse criptoativo, onde a consequência, por exemplo, em que uma pessoa física titular da conta reportável possua um criptoativo em outro país seja reportada ao fisco brasileiro apontando qual seria o registro dentro das obrigações acessórias sobre essa existência no país que reside caso não tenha sido reportado e haja omissão de renda. Esse é apenas um exemplo, mas existem outras questões que serão aplicadas”, finaliza.
Até o momento, segundo CRS, houve 7 mil relações de trocas bilaterais de 105 jurisdições diferentes. No Brasil, o órgão reportou 860 mil contas, 96 países entregaram informações ao país, sendo 74 mil contas somente pela Suíça e 60 mil pelos Estados Unidos.
O 9º Circuito da Transparência: Tributação de Criptoativos foi organizado pela vice-presidência de tributos com a coordenação de Roberto Fragoso, head de Tributos da ANEFAC e sócio da Perez Fragoso Advogados, e apresentação de Antonio Carlos Machado, presidente do Conselho de Administração da ANEFAC e sócio da MLegate. O conteúdo completo você confere no link abaixo.