Previous
Next

Em 2022, eleição deve se dar pela rejeição e não pela aprovação 

Parece que a eleição tende a continuar com essa predominância de Lula e Bolsonaro. São duas candidaturas fortes. Improvável que qualquer uma delas caia 

Em um cenário político complexo e delicado, a eleição presidencial, deste ano no Brasil, será muito disputada, com um grau de tensão elevado e muitos riscos. A avaliação é de Carlos Melo, cientista político, mestre, doutor e professor do Insper, que palestrou no Congresso ANEFAC 2022, no painel “Tendências econômicas e políticas”.   

Ele salienta que de um tempo para cá, o nosso pacto político, o nosso entendimento, em geral como sociedade, bem como a nossa capacidade de tolerância dos diferentes e dos opostos diminuiu muito e isso coloca em risco o nosso convívio e a democracia e é claro que num momento de eleição isso está mais exposto, isso aflora. 

“O maior risco dessa eleição pode ser o grau de beligerância e de conflitos na rua. O resto é respeitar o resultado das urnas. É o que diz a boa democracia: quem tiver mais votos leva. Simples assim”, observa Melo, salientando que a eleição é conduzida pela Justiça Eleitoral há muito tempo e, nos últimos quase 30 anos, ela se deu pelo processo das urnas eletrônicas, que elegeram todos aqueles que disputaram uma eleição presidencial, inclusive, os candidatos anteriores, quando eleitos, não reclamaram. São essas mesmas urnas que serviram até agora. Para ele, o maior risco, é o resultado não ser aceito e a eleição ser desqualificada, levando um grau de beligerância grande para a rua. A seguir, leia os principais trechos da entrevista. 

Second best 

Nem mesmo a chamada terceira via deve ter força. Além disso, essa história de terceira via não é o nome mais usual, é até incorreto, porque o modelo é uma cópia do que se pensou na eleição nos Estados Unidos e na Inglaterra, do Bill Clinton e do Tony Blair, respectivamente, quando se procurava um modo de se distinguir do antigo socialismo e do antigo capitalismo para uma forma mais nova e jovem naquela ocasião, nos anos 90. Isso foi trazido para o Brasil e apresentado como uma alternativa às candidaturas de Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro e as pessoas entenderam que essa terceira via seria o terceiro lugar.  

Parece que a eleição tende a continuar com essa predominância de Lula e Bolsonaro. São duas candidaturas fortes. Improvável que qualquer uma delas caia, a não ser que algum deles erre e erre muito a ponto de permitir que um terceiro colocado se apresente no segundo turno. Não vejo esta possibilidade.  

A chamada terceira via demorou para se consolidar, não se consolidou na verdade, virou um jogo de resta um. E, não disse até hoje há exatamente a que veio. Tem sido descapitalizada, tem perdido os votos daqueles que, mais ansiosos, decidiram se alinhar no chamado second best. Aquele que não era o melhor, mas era o mais útil para derrotar aquele que você não aceita e que não quer de jeito algum. Vai ser uma eleição de rejeição e não uma eleição de aprovação.  

Perfis programáticos 

O perfil do governo do ex-presidente Lula é voltado para a distribuição de renda, para os programas sociais, acreditando que ambos possam desenvolver a economia e aumentar a arrecadação do estado, para enfim ter um governo equilibrado do ponto de vista das suas finanças. Além de ser um governo que parece ter a grande preocupação de resolver, dentro do possível, os problemas sociais, que hoje no Brasil são muitos, muito grandes e sérios.  

Já com relação ao perfil do governo Bolsonaro é, sinceramente, difícil dizer a que veio, pois não conseguiu emplacar até hoje uma grande ideia a não ser o conflito e a tensão permanente. O governo se diz prejudicado pela pandemia e, agora, pelo conflito entre Rússia e Ucrânia. Mas é bom lembrar que ambos atingem todos os países do planeta e muitos tiveram performances melhores do que as nossas. Tanto no controle ou trato da pandemia quanto na questão econômica. Se a inflação é um fenômeno mundial, nós estamos acima da média da população. E, se a pandemia, infelizmente, causou muitas mortes, é verdade que o Brasil tem 3% da população mundial, que teve 12% do total de mortes. Então, esses números não batem, provando que ficou devendo muito nessa área e não realizou quase nada da sua agenda em termos de reformas prometidas. E realizará no próximo ano? Essa deve ser a grande defesa. 

Por fim, sobre o perfil da chamada terceira via ainda não é possível fazer muita análise, pois não há definições, precisa esperar se Simone Tebet se confirma e Ciro Gomes, que deve ter um governo relativamente parecido com o governo de Lula, talvez com mais intervenção na economia.  

Câmara e o Senado 

As eleições já estão praticamente na rua. A campanha já começou. As pessoas estão em busca de votos, sobretudo no mês de junho, onde as festas de São João são muito importantes no Nordeste e os deputados do Nordeste saíram a campo em busca de votos. A nossa realidade é sempre essa. Acho que o Congresso fará pouco daqui até o final do ano. Primeiro a eleição, depois o segundo turno, se houver, para definir quem será o presidente da República. Haverá uma ou outra questão, a depender de quem vai ganhar a eleição. E, aí é o que nós queremos em 2023, que é um novo Congresso. Não há quem tenha uma bola de cristal que possa dizer como será. Será um Congresso ainda mais conservador? É possível. Mas, por outro lado, é possível que tenha uma bancada progressista também maior. Vamos ter que esperar as urnas.  

Cenário político 2023 

Certamente, o cenário político para o ano que vem é muito ruim. Primeiro, a crise social é muito grande. A situação fiscal é péssima. Qualquer um dos presidentes eleito, terá uma grande oposição contra si. Tanto Bolsonaro, que deverá ter uma oposição enorme contra o seu governo, muito maior, aliás, porque ela quase não existiu nesse atual, pois a oposição simplesmente ficou assistindo os conflitos que o governo produziu, quanto Lula, que pela primeira vez saberá o que é ter uma oposição forte, intransigente e organizada nas ruas. Então, teremos grande dificuldade fiscal, grandes problemas sociais, o enrosco econômico a se resolver e oposição ferrenha. Esse deverá ser o quadro do cenário político para 2023.  

Parece inevitável que o próximo seja um Congresso que ajude a mitigar os problemas sociais. O Brasil mudou, está no mapa da fome e numa situação acima da média mundial. Inflação alta provoca grandes problemas sociais. O desemprego tem baixado, mas também porque a procura pelo emprego tem diminuído porque algumas pessoas têm desalento. Então, o ideal seria que o Congresso se preocupasse com essa pauta e que o executivo também. Agora se fará ou não no tempo que dirá. 

Carlos Melo, cientista político e professor senior fellow do Insper

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.