Apesar de não ser uma novidade no mercado, a automação nas demonstrações financeiras ainda precisa de um olhar mais aprofundado por parte dos profissionais que atuam tanto com tecnologia quanto com a área contábil e fiscal.
A necessidade de apoio tecnológico nasceu do volume de dados com os quais precisamos lidar hoje. Estimativas da International Data Corporation (IDC) apontam que até 2025, o volume mundial de dados deve chegar a 163 zettabytes. Uma enxurrada de informações que precisa ser tratada adequadamente pelos diversos setores de acordo com as suas necessidades. Assim, surgiram há alguns anos os sistemas voltados à organização destas informações dentro da área contábil, os chamados sistemas ERP’s.
A ideia inicial de implementação deste tipo de sistema é, além de tornar mais simples um trabalho que era feito mecanicamente, gerar a possibilidade de que estes dados sejam como um mapa no qual o interessado possa facilmente encontrar as informações das quais precisa.
Entretanto, um grande entrave para que esta meta seja alcançada é a divergência de formatos dos documentos criados no Brasil, uma vez que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) aceita diferentes versões de extensões. Outro ponto na visão de Carlos Aragaki, presidente regional São Paulo na ANEFAC e sócio na BDO, que mediou o 1º Circuito da Transparência 2022 – Experiência e resultados da automação nas DF’s, realizado pela ANEFAC, em 21 de setembro, dando início a Agenda da Transparência 2022, apesar de os ERPs não serem novos no mercado, muitos profissionais e empresas ainda não utilizam o sistema.
Blockchain pode ser um aliado
De acordo com o professor da Fecap Ahmed El Khatib que palestrou no evento, a dificuldade está na falta de integração entre os diferentes formatos de documentos, o que muitas vezes impede que as informações sejam acessadas com clareza pelos interessados.
Diante deste cenário, o blockchain tem sido levantado como uma opção para este problema, trazendo três grandes vantagens:
- Os dados podem ser disponibilizados de forma segura, sem o risco de alterações retroativas;
- Redução de erros, porque dificultará a manipulação e falsificação dos dados; e
- Informações em tempo real e visíveis publicamente, uma vez que os dados serão atualizados automaticamente.
Gabriel Freitag, gerente de projetos na Tech6 Group e que palestrou no evento, destaca que a integração com arquivos de diferentes formatos é realmente um desafio e há firmas de auditoria que solicitam que este processo não seja mais feito com arquivos TXT, por exemplo, mesmo que a empresa a ser auditada já trabalhe com eles há muitos anos.
Porém, o mercado tem evoluído e já existem soluções tecnológicas para estas questões. O entrave passa a ser então a resistência de algumas empresas na alteração do formato com o qual elas já trabalham.
“Diversos negócios que trabalham com Excel há anos terão uma maior resistência na adoção de sistemas criados especificamente para as demonstrações financeiras, que na prática facilitarão o cumprimento de diversas obrigações fiscais com as quais as empresas precisam lidar mensalmente. Este receio faz com que os problemas de integração persistam dentro destas companhias, mesmo já existindo soluções para esta questão”, explica Freitag.
José Luiz Moço, diretor executivo na MarketTrends e que palestrou no evento, destaca que o problema também persiste quando uma mesma empresa acaba trabalhando com diferentes sistemas ERP’s ao mesmo tempo e estes programas não se integram. E isto acontece frequentemente no mercado, seja como consequência de uma fusão ou aquisição.
Fatalmente, para ele, as empresas precisarão fazer uma escolha e colocar todos os dados em uma base única, para que as informações possam ser tratadas e organizadas. Somente assim elas poderão ser analisadas efetivamente pelo gestor em seu processo de decisão. Mas esta migração demanda investimento e empenho das equipes, que precisarão fazer um trabalho extenso e minucioso para minimizar os erros e solucionar o problema.
José Luiz entende que ainda há um fator extra nesta resistência: o medo da perda de relevância profissional com a “ascensão da inteligência artificial”. “Há quem tenha medo de ser substituído por um robô, mas um bom profissional não será trocado por uma máquina. Será preciso se manter cada vez mais atualizado e capacitado para continuar relevante para o mercado, mas essa exigência já existe na prática. Não é necessário ter medo de concorrer com a tecnologia”.
Voltar ao trabalho manual pode ser uma solução?
Frente a tais desafios, será que faz sentido pensar em voltar ao trabalho manual? Os especialistas no assunto defendem que a automação é um caminho sem volta.
José Luiz enfatiza que, ainda que haja entraves no processo digital, um retrocesso não é possível nem viável para as empresas. Dados trazidos pelo palestrante apontam que 69% dos líderes de Contabilidade e Finanças acreditam que os principais inibidores do fechamento financeiro são os processos manuais, que tomam muito tempo das equipes e nem sempre acurados, uma vez que 90% das planilhas contêm erros graves, mesmo quando passam por testes de validação meticulosos.
“A automação é um caminho natural. É possível ter segurança nas informações e reduzir os custos e o tempo gasto na gestão destes dados dentro das companhias. As empresas têm que se adaptar ou desaparecerão do mercado”, destaca Moço.
Investimento em tecnologia para a solução do problema
Grandes empresas têm investido cada vez mais em aprimoramento tecnológico, o que não exclui a melhoria da área contábil destes negócios. A Petrobras, por exemplo, recentemente adquiriu o Pégaso, supercomputador que consegue processar um grande volume de dados com ainda mais velocidade, o que pode ser de grande ajuda quando consideramos que apenas em 2021 a empresa precisou entregar mais de 13 mil obrigações acessórias.
“Precisamos ter uma base de dados muito bem montada, íntegra e disponível para todos que precisam participar dos processos de análise das informações, especialmente quando falamos sobre estimativas e julgamentos relevantes dentro do universo contábil”, pontua Carlos Silva, gerente geral de Operações Contábeis da Petrobras e que palestrou no evento.
Carlos contou que a empresa segue automatizando seus controles e focando na redução da inserção de dados de forma manual, para reduzir os custos, aumentando a produtividade e a qualidade da área contábil, que precisa lidar um imenso volume de dados.
A conta não fecha em algumas pequenas e médias empresas
Implementar um sistema digital para auxiliar no controle contábil de um negócio demanda investimento financeiro. Para Ahmed El Khatib, ainda que existam opções hoje no mercado que consigam driblar as dificuldades de integração das informações em diferentes formatos, isso ainda não é acessível para todos.
“Para avançarmos na digitalização da contabilidade dentro dos empreendimentos, precisamos que não apenas grandes empresas tenham acesso a soluções que prezem pela integração dos dados. Acredito que uma regulação mais específica no Brasil, talvez partindo da própria CVM, ajudaria nesta questão”, opina o especialista.
Carlos Silva ainda pontua que é preciso sempre considerar a necessidade do usuário na hora de implementar um sistema ERP, afinal isso varia de acordo com o porte e com a condução do negócio.
Esta personalização pode influenciar no valor do investimento a ser feito pelo negócio. E, complementarmente, os especialistas destacam que mesmo nas maiores empresas o Excel continua a ser utilizado no dia a dia, a diferença está na forma como ele é trabalhado, se tornando um complemento em vez de o principal meio de tratamento de dados estratégicos.
Confira o conteúdo do evento na integra: