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Fusões e aquisições estão na rota dos investimentos brasileiros e estrangeiros

Número de transações realizadas no último ano atingiu o maior recorde em 25 anos

Na maioria das vezes quando acontece uma crise, os investimentos das empresas visando o longo prazo, como é o caso das fusões e aquisições, diminuem. Em busca de sobrevivência, o foco se volta para salvar o negócio e continuar operando. Mas a realidade encontrada para enfrentar a crise sanitária de Covid-19 foi diferente em alguns setores.

Devido ao distanciamento social, não restou outra alternativa às empresas a não ser investir em tecnologia para que o negócio continuasse existindo, muitas vezes antecipando investimentos que seriam realizados em três ou quatro anos para dois ou três meses. Esse movimento provocou um boom no mercado de aquisições e fusões (M&A) como mostra pesquisa da KPMG. Em 2021, houve, nesta área, um recorde de transações, totalizando 1963. Sendo este número 59% superior aos 1.231 observados em 2019, se tornando o melhor resultado em 25 anos.

Os dados mostram que do total de operações realizadas, 1289 foram domésticas, representando 65% do total de transações do ano. Em segundo lugar, estão as operações do tipo CB1 (581) – empresa de capital majoritário estrangeiro investindo em capital de empresa estabelecida no Brasil. Além disso, o último trimestre do ano passado registrou também recordes em negócios concluídos, 602. O estudo da KPMG é realizado desde 1996 e abrange empresas brasileiras de diversos setores.

No topo dos segmentos de negócios afetados por esse tipo de operação, as empresas de internet lideram com 658 transações no ano passado, representando 34% do total. Em seguida, constam as companhias de tecnologia da informação, com 358 negócios, 18% do total.

Estes resultados, na visão de Luís Motta, sócio-líder de Fusões e Aquisições da KPMG no Brasil, consolidam a tendência de investimentos em transformação digital e inovação. “Pela primeira vez, a saída para uma crise foi o movimento de fusões e aquisições impactado pela necessidade de as empresas operarem no mundo virtual. Elas tiveram que ir ao mercado para acelerar o que vinham fazendo. Não podemos esquecer que não se refere a apenas uma determinada tecnologia como o e-commerce, por exemplo, mas sim a toda a cadeia que dá suporte como plataformas, logística, infraestrutura, banda larga etc.”, explica.

Mas isso não significa que este movimento estagnará nos próximos meses e anos. Muito pelo contrário, o que aconteceu é a criação de uma nova realidade, pois a tecnologia não é estagnada. Comprou e deu. “Ela vai continuar evoluindo em 2022 e os destaques devem ser, por exemplo, o 5G e o metaverso e tudo o que dará suporte para o seu desenvolvimento em diversos setores. Além do setor financeiro que continuará passando por uma grande transformação numa velocidade muito maior para atender as novas demandas do mercado”, pontua Motta.

O mercado de fusões e aquisições brasileiro está alinhado com o mundo. É claro que nos Estados Unidos e na Zona do Euro há mais transações, mas o Brasil tem um papel importante na rota de investimentos. A pesquisa da KPMG registrou movimento da vinda de estrangeiros para o país, apesar de cada um estar olhando internamente também. As empresas de tecnologia receberam investimentos brasileiros e estrangeiros. “Para ser um participante importante no mercado, muitas empresas precisam ter acesso a capital, preço competitivo, atrair os melhores talentos etc. e a competição leva muitas vezes à necessidade de adquirir no mercado uma empresa que a levará ao crescimento”, avalia Motta.

Com relação as perdas, uma das maiores preocupações com as transações está relacionada ao corte de posições de trabalho. “Num primeiro momento pode haver a extinção de empregos, principalmente nas áreas ‘suporte’, mas, por outro lado, se uma empresa está ficando menor e sem competitividade, ela poderá falir. Cada caso é um caso. Outro movimento que observamos também atualmente, principalmente em empresas de tecnologia, é a aquisição objetivando o capital humano, no caso dos cientistas de dados. Se compra a empresa toda para obter os profissionais”, observa Motta.  

Outro ponto de atenção é a integração das duas empresas. “Muitas aquisições não atingem os objetivos iniciais porque não têm planos de integração bem definidos. Antes de qualquer transação, é preciso avaliar o porquê a expansão está sendo feita. Ela não acaba quando o contrato é assinado, pelo contrário, o trabalho está apenas começando. O que ajuda a tornar esse processo mais assertivo é elaborar um belo plano de compromissos de longo prazo, obter uma boa negociação com o auxílio de assessorias que entendem desse mercado e analisar o momento ideal. Além de estar preocupado com o depois, principalmente com a integração entre os dois negócios”, diz Motta.

Middle market do setor de saúde pode congregar as fusões e aquisições em 2022

No plano macro, há, hoje em dia, muita liquidez no mercado financeiro internacional e isso induz, ou pelo menos facilita, a realização de novas fusões e aquisições. Especificamente, de acordo com Saverio Vicente Angrisani Filho, médico e consultor em M&A dos escritórios KC&D e Primos e Primos, no setor de saúde no Brasil está havendo claramente um movimento de profissionalização e consolidação do mercado. “É um segmento que envolve altos custos, aliados a uma regulação ainda imperfeita, o que impõe aos players a necessidade de alta eficiência, daí as operações de concentração e verticalização que temos assistido. As consequências econômicas trazidas pela pandemia também precisam ser mencionadas”, ressalta.

Rede D’Or, BTG Pactual, Pátria, Notre-Dame Intermédica, Dasa, Fleury, Hapvida, SulAmérica, Viveo, Mater Dei, Oncoclínicas, Qualicorp, Kora Saúde, Hermes Pardini, Athena, Hypera e Davita são os grandes grupos da área de saúde no país que veem se consolidando por operações ao longo dos tempos e envolvem altíssimos valores. Participam também desse movimento, fundos de investimento em private equity, administrados por grupos como XP Investimentos, inclusive com injeção de capital estrangeiro.

Esses fundos têm demonstrado bastante interesse no setor, mas ainda revelam participação abaixo do seu potencial. Foram realizadas em torno de 50 transações de fusões e aquisições em 2021 somente por companhias listadas na bolsa de valores (IPO), que movimentaram 15 bilhões de reais de acordo com levantamento realizado pelo jornal Valor Econômico.

No geral, as operações envolvem os setores de diagnóstico, carteiras de plano de saúde e hospitais. Alguns exemplos das principais transações são:

Rede D’Or – adquiriu 10 ativos no segmento hospitalar, totalizando 3,5 bilhões de reais;

Dasa – adquiriu 10 ativos (clínicas hospitais e laboratórios), totalizando 2 bilhões de reais;

Notre Dame – adquiriu 3 ativos (dois hospitais e 1 operadora), totalizando 1,25 bilhões de reais;

Mater Dei – adquiriu 3 ativos (dois hospitais e 1 empresa de tecnologia), totalizando 1,15 bilhão de reais.

A fusão da Hapvida e o Grupo NotreDame Intermédica (GNDI) merece destaque, pois juntos se tornaram a maior operadora do Brasil em beneficiários, totalizando 13,5 milhões e 84 hospitais. Em fevereiro, o mercado se surpreendeu com o anúncio da compra da SulAmérica pela Rede D’Or. O valor estimado na bolsa de valores do grupo hospitalar D’Or é de R$ 101, 52 bilhões e a SulAmérica R$ 10,35 bilhões. A operação ainda terá de ser aprovada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), mas não se esperam dificuldades.

O Brasil possui mais de 4.200 hospitais privados e mais de 700 planos de saúde – ainda há muito espaço para as operações de M&A -. “A tendência é que o setor se mantenha aquecido, e que, os grandes players continuem a estudar o mercado estrategicamente para novas cartadas. Talvez vejamos uma redução nas grandes operações, por inexistência de ativos disponíveis. Com isso, o mercado vai passar a ter mais interesse pelas empresas de médio porte. Os empresários do middle market devem ficar atentos”, finaliza Angrisani Filho.

Saverio Vicente Angrisani Filho, médico e consultor em M&A dos escritórios KC&D e Primos e Primos
Luís Motta, sócio-líder de Fusões e Aquisições da KPMG no Brasil