Reforma Tributária não deve sair do papel, mas tecnologia e pessoal ainda precisam ser foco de atenção das empresas
O ambiente tributário como não podia ser diferente continua desafiador para as empresas brasileiras em 2022. Entre os principais desafios, na percepção de Augusto Flores, vice-presidente de Tax South America no Volvo Group, estão os preços de transferência, especialmente sobre as expectativas de julgamento no CARF (relação de conflito entre as regras emanadas da lei e a Instrução Normativa da época), o novo regramento do IRS norte-americano, que tende a tratar IRRF, IRPJ e CSLL brasileiros não creditáveis na matriz, há questões conceituais no Brasil que precisam ser discutidas, como “fonte”, “reconhecimento” e “renda”, que poderiam ser resolvidas com um acordo para evitar Dupla Tributação com os Estados Unidos. “Há também expectativas e alguma incerteza sobre quando e como o país buscará convergência com o padrão OCDE”, explica.
Outro tema muito relevante na área tributária é a continuidade da discussão em relação a inconstitucionalidade da cobrança de Diferencial de Alíquota (Difal) nas vendas diretas aos consumidores finais. Mesmo com a decisão em fevereiro de 2021, onde o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional a cobrança pelos estados sobre as operações realizadas pelas empresas, muitos seguiram ao longo do ano fazendo apreensões de mercadorias, e dificultando qualquer tipo de alinhamento como base no julgamento conjunto da Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Embora a Lei Complementar 190, que regulamentou a cobrança da diferença de alíquotas, publicada em 5 de janeiro de 2022, no artigo 3º tenha a previsão da observância do princípio da anterioridade plena, anual e nonagesimal – conforme determina a Constituição Federal de 1988 -, os fiscos estaduais estão desconsiderando essa previsão expressa e adotando interpretação de cobrança dentro do ano, o que é mais uma vez um embate sobre o aspecto da previsão constitucional. Por isso, a importância do acompanhamento e atenção da ADI 7066 de autoria da Associação Brasileira de Indústria de Máquinas (Abimaq).
Neste sentido, segundo Alessandra Heloise Vieira, diretora tributária na Via, é necessário estar atendo sobre a necessidade do início da vigência da cobrança do Difal em 2023. “O tema é bastante preocupante, uma vez que o entendimento sobre a discussão pelos fiscos estaduais diverge novamente das empresas, representações de classes, tributaristas e doutrinadores. Assim, como aconteceu em 2021, as empresas precisarão recorrer ao judiciário para o enfretamento da matéria. O que torna o ano de 2022 mais desafiador, além de todos os aspectos econômicos”, diz.
Já segundo Marcello Veiga, diretor tributário da Zurich Seguros, um dos principais temas em discussão no ambiente segurador na área tributária que, não deve ser diferente dos demais segmentos, é as PECs que vem sendo atualizadas. “Fora esse, o PIS/COFINS incidente sobre a receita financeira proveniente dos Ativos Garantidores tem sido um tema muito latente no mercado. Esse tem uma relevância muito grande para o governo, pois produzirá um efeito considerável na arrecadação orçamentária do país”, explica.
Reforma Tributária deve ser aprovada em 2023
Paralelamente, no atual contexto político, o maior desafio tributário é a jornada longa ainda a ser traçada para uma Reforma Tributária. Ao longo dos últimos quase três anos, se discutiu a PEC 45 e a PEC 110, as duas principais propostas diante de tantas outras intermediárias. De fato, segundo Vieira, enquanto ela não for uma prioridade, não se conciliará e se unificará esforços para a sua viabilidade. “Nos debates técnicos, principalmente sobre as duas PECs, tivemos a compreensão sobre a complexidade de fazer uma reforma do modelo tributário atual, que sem dúvidas tem por consequências desdobramentos econômicos, financeiros, setoriais e operacionais tanto para os órgãos públicos quanto para as entidades privadas”, pontua Vieira.
Com a pandemia, a reforma tributária acabou perdendo foco e interesse do governo. Veiga não vê uma real possibilidade de ela ser aprovada em 2022, inclusive por ser um ano eleitoral com diferentes interesses políticos. “Além de ser um tema com viés muito complexo com impactos orçamentários significativos para os estados e municípios, outro ponto importante é que ela não será eficiente se não houver antes a Reforma Administrativa”, alerta.
Flores também não acredita que a Reforma Tributária aconteça esse ano, mas avalia que em 2023 seja perfeitamente possível, desde que o presidente eleito a coloque como prioridade e use o seu capital político pós-eleitoral para discuti-la e aprová-la. “É muito cedo para estimar os efeitos que ela pode acarretar ao setor automotivo, por exemplo, que atuamos, mas é esperado que haja mudanças na tributação sobre a renda, notadamente relativas aos dividendos, e na simplificação dos impostos sobre o consumo. Já passou da hora de o Brasil endereçar o seu imposto sobre o valor agregado. Estamos atrasados uns 30 anos. Percebo que a grande discussão passa pelos interesses, nem sempre convergentes, entre União e Estados”, ressalta.
As pessoas e a área tributária
Num ambiente com tantas alterações como o tributário, Vieira acredita que é necessário sempre estar bem próximo aos times e ter a capacidade da prática da “escuta ativa” sobre os desafios diários enfrentados. Além disso, dar acesso a conteúdo e atualizações através de um modelo de gestão, onde eles tenham tempo e dedicação para entender as mudanças contínuas, é uma estratégia que fortalece os times, melhora a performance nas entregas e agrega valor tanto ao profissional como ao negócio.
A área tributária proporciona um aprendizado bastante robusto sobre o negócio e desafia os envolvidos a buscarem pontos de vista distintos sobre temáticas aplicadas ou ainda conceituais. A dinâmica, que é inerente a área, exige maior capacidade de compreensão em processos e visão sistêmica, bem como atenção aos desdobramentos potenciais (visão preditiva). “É papel da liderança fazer o direcionamento para a melhoria contínua de suas habilidades, instigar novos saberes, perguntar mais e permitir que a busca das melhores respostas seja de fato realizada pelos times. Em ambientes com liberdade criativa, de aprendizado mútuo e conjunto é possível capacitar e preparar os profissionais para os mais diversos cenários”, explica Vieira.
A utilização de treinamentos internos e externos, reuniões técnicas em grupo, bem como a expansão dos temas fiscais para outras áreas através de treinamentos específicos são, para Veiga, importantes. Além de explorar e utilizar os recursos e inputs dos parceiros, como por exemplo, escritórios de advocacia e big four, pois essa troca de experiências produz um efeito consistente e duradouro para a equipe e todas as pessoas envolvidas nas rotinas e processos operacionais fiscais.
Já Flores sempre acreditou que o profissional de impostos deveria ter sólida formação técnica, conhecesse contabilidade, finanças, regras de imposto de renda, indiretos, tributação internacional e direito tributário e societário, mas basta observar as grandes trajetórias do mercado para perceber que as hard skills conseguem levar até um certo ponto na carreira. A partir dali, é preciso ter as soft skills, como comunicação, inteligência emocional, negociação e persuasão, muito bem endereçadas, sob pena de estagnar na carreira.
Outro ponto muito importante é um olhar para o futuro. Cada vez mais, a tecnologia ajudará a gestão tributária o que gera duas repercussões: por um lado, tende a atrair matemáticos, estatísticos e engenheiros para a área e por outro, o tempo economizado na rotina do compliance fiscal precisa ser investido em maior transversalidade com outras áreas, em entender mais o negócio, criar agendas conjuntas, ativamente, com o comercial, logística e compras. “Isto tende a gerar muito valor através da antecipação de cenários e do próprio engajamento. Visão de que todos estamos efetivamente no mesmo barco”, finaliza Flores.