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ESG traz demanda por conselheiros de administração sensíveis à temática 

Ante uma série de acontecimentos recentes, há no mercado um movimento em busca de conhecimento ainda sobre os fatores ESG (Environmental, Social and Governance), que se converteram em um conceito imprescindível para as empresas nos últimos anos. Profissionais de várias áreas têm se especializado sobre a temática. Nos conselhos de administração isso não é diferente, pelo contrário, pois o modelo de gestão da empresa é o que define muitas vezes a governança e a faz sustentável. Sem contar que a gestão é uma das principais causas das práticas sustentáveis e órgãos regulatórios do mundo todo tem respondido a esse movimento na forma de elaboração de regulamentações.  

O que pode estar acontecendo também é que essa busca por conhecimento seja um indicativo da importância que o ESG tem ganhado nas empresas. Recentemente diversos atores emitiram estudos, recomendações ou normas sobre o tema, dentre eles a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) através de sua recomendação CVM no 59, o IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa) por meio de estudos, e a ANBIMA (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro) pelo seu Guia ASG.  

Complementando estas fontes, Rodrigo Dantas Casillo Gonçalves, sócio da ENSO Consulting, consultorias especializadas em estratégia e gestão realizaram nos últimos anos pesquisas sobre o grau de importância do tema e de forma consolidada os resultados demonstram uma elevação do seu grau de importância para os conselhos de administração. 

Por exemplo, a consultoria Russell Reynolds Associates, recentemente fez um levantamento global com líderes empresariais e os resultados demonstraram que o tema sustentabilidade é uma preocupação relevante e que eles esperam que as suas práticas sejam incorporadas na estratégia dos negócios nos próximos cinco anos.  A consultoria KPMG, através de pesquisas, percepções e interações com líderes empresariais, em seu documento “Conselho de administração: Prioridades para a agenda de 2022”, cita que um dos temas relevantes para serem considerados na lista de prioridades dos conselhos é incorporar os aspectos ESG, incluindo o risco climático e o DE&I (Diversidade, Equidade e Inclusão), nas discussões relacionadas a riscos e estratégia.   

O ESG para ser efetivo precisa de uma abordagem holística, que considere as três perspectivas (ambiental, social e governança) de forma equilibrada e adequada ao contexto da empresa. Desta forma, Gonçalves avalia que aquelas empresas que efetivamente querem integrar a pauta do ESG à sua estratégia de longo prazo e modelo de negócio sem incorrerem no erro do greenwashing devem buscar cada vez mais por um conselheiro de administração que obtenha formação e conhecimento sobre ESG.   

Na percepção de Renata Welinski, consultora de Responsabilidade Corporativa –  especialista em ODS, mestre em direito internacional do meio ambiente pela USP e auditora no ABS Group, é importante, avaliar o papel que um conselheiro independente de ESG poderia ter em uma empresa, o qual pode variar de acordo com o contexto da organização, a natureza do negócio (setor econômico em que atua), aspectos geopolíticos (localização geográfica e ambiente político local e global, no qual a organização está inserida), riscos operacionais (segurança do trabalho, segurança do produto, relações trabalhistas, comunidade, proteção ambiental, análise da cadeia de valor) e financeiros (gestão de ativos, decisão sobre investimentos), requisitos legais aplicáveis às suas operações etc. 

“Um conselheiro independente, especialista em ESG, pode contribuir através de uma visão diferenciada, identificando não apenas os fatores de riscos, mas também novas oportunidades baseadas em demandas das partes interessadas. Outro papel deste conselheiro é o de fortalecer o monitoramento de como as práticas do ESG estão sendo implementadas e as possíveis necessidades de ajustes.  É transformar o discurso em resultados consistentes, sustentáveis e mensuráveis”, explica Gonçalves.  

Um conselheiro independente pode ser útil à medida que possa compreender como o rol de parâmetros ESG permeiam os vários setores da organização, que podem impactar positivamente ou negativamente na sustentabilidade do negócio. Na avaliação de Welinski, se os membros do conselho de administração identificam que há uma lacuna em relação ao necessário conhecimento multidisciplinar, o conselheiro independente poderia contribuir de forma pontual, porém assertiva, em situações de tomada de decisão específicas identificadas pelas empresas em nível de ESG.  

Consenso de ideias nem sempre é bom para a competitividade do negócio 

Devido ao contexto empresarial ser cada vez mais dinâmico e complexo. Um conselheiro especialista em ESG, possui uma visão técnica e integrada para avaliar a atual Matriz de Materialidade da empresa e, através de uma visão de futuro, prever, devido mudanças ou tendências do contexto externo, novos temas materiais com impacto relevante na organização. Conceito chamado de “Materialidade Dinâmica” conforme um documento recente publicado pelo Fórum Econômico Mundial chamado de “Embracing the New Age of Materiality Harnessing the Pace of Change in ESG”. “Atuar com ESG é adotar as práticas de gerenciamento de riscos de forma prática e integradas ao modelo de negócio da empresa para proteger e criar valor a longo prazo”, pontua Gonçalves. 

De acordo com Welinski, a presença de um conselheiro de ESG independente permite que a organização tenha acesso à um ponto de vista controverso, o que nem sempre pode ser bem-vindo. Um conselheiro que vise ao consenso, pode não ser um bom investimento. “É preciso que a organização esteja preparada para ouvir argumentos que podem ser antagônicos à visão predominante no seu ambiente. E é aí que reside a importância do conselheiro independente, o qual, pode concluir que a empresa precisa de conselheiros que atuem diferentemente do modus operandi usual; membros de conselho que reconheçam e tenham expertise na identificação de fatores socioambientais em seus processos decisórios.  Torna-se relevante ressaltar que o conselho tem um limite de atuação, tendo suas decisões influenciadas por acionistas e investidores”, ressalta.  

Um bom conselheiro de ESG tem o papel de introduzir variáveis que possam contribuir para a sustentabilidade do negócio. Sob este aspecto, ressalta-se o caráter educativo e de mentoring que um conselheiro de ESG pode ter em todos os níveis da empresa, bem como junto aos acionistas e investidores, considerando-se sua experiência profissional. Em complemento, Welinski pontua que mais do que ser um profissional com curso de conselheiro, é necessária experiência no setor de negócio e em RSC (responsabilidade social corporativa), com capacidade para atuar com foco em resultados percebidos e valorizados pelos acionistas, fato que não apresenta consenso atualmente. “A premissa aqui é que um diploma não representa necessariamente, a aquisição de expertises necessárias para apoiar as empresas em seus processos decisórios e no planejamento dos negócios integrado ao ESG”, explica. 

Atuar de forma efetiva com o ESG integrando seus requisitos ao propósito e estratégia da empresa tem o objetivo de proteger e criar valor a longo prazo.  Para Gonçalves, as práticas de ESG além de atuarem na mitigação de riscos, também agregam valor quando auxiliam na identificação de novos negócios, impactam positivamente as redes de relacionamento, seja por exemplo com investidores, órgãos reguladores ou comunidades locais, e fortalecem a integridade e imagem da organização. “Os impactos quantitativos podem ser vistos na diminuição dos prêmios de seguros, redução de custos, facilidade ao acesso de capital e aumento dos negócios devido a construção de novas redes de relacionamento”, diz.  

Os benefícios da contratação de um conselheiro de ESG dependerão das expectativas dos acionistas, investidores e do conselho em relação a contribuição do conselheiro para a governança do negócio. E, é importante, segundo Welinski, compreender que governança do negócio inclui a governança de ESG, sendo essencial ter uma visão de integração e não de separação, como se a governança de ESG fosse um requisito isolado e/ou acessório da gestão do negócio: “menos é mais: mais importante que a utilização de novas siglas é o entendimento de que a governança de ESG é parte integrante das ações de governança e não um requisito a mais”.  

Outro ponto analisado por Gonçalves no mercado que atua e tem notado é a implementação de comitês específicos de ESG para assessorar o Conselho de Administração, sendo que estes comitês possuem como coordenador um conselheiro especialista em ESG. “Recentemente tivemos a experiência de elaborar as Políticas de Investimento de dois Grupos Empresariais, em ambas as oportunidades uma das referências para as diretrizes foi o alinhamento com o PRI-Principles for Responsible Investment. O tema ESG tem importância tanto na etapa operacional do ativo como na de identificação e seleção de novas oportunidades de investimentos, algo essencial para consolidar sua relevância no mercado”, avalia Gonçalves. 

Welinski acredita que o perfil profissional de um conselheiro independente inclui conhecimento sobre os processos existentes na empresa, o que permite uma atuação transdisciplinar em busca da identificação de ações de RSC que estejam conectadas com a realidade do negócio. Isto é importante porque se trata da transformação da retórica do “sustainabubble” para se realizar o que é possível, considerando-se o contexto organizacional e fatores geopolíticos, quando se analisa a cadeia global de fornecimento, por exemplo.  Isto está muito em evidência hoje em relação à priorização do atendimento da demanda de energia da Europa em detrimento da adoção de políticas de mudança climática.  

“É preciso identificar novos critérios para a avaliação das fontes de energia, ou seja, além da quantificação das suas emissões, a qualidade dos benefícios gerados. Uma dose de realismo é bem-vinda a este perfil, bem como uma boa capacidade de interlocução com as partes interessadas, seja com os membros do conselho, com os gestores de nível médio, acionistas, investidores etc. Adicionalmente, um bom conselheiro deve manter-se atualizado sobre geopolítica e tendências de mercado que possam influenciar a sustentabilidade do negócio”, pontua Welinski. 

A atuação destes profissionais tem suscitado interesse, mas é preciso analisar a relação expectativa/benefício. Isto pode ser feito mediante a visão que o CEO, demais membros do Conselho, acionistas e investidores têm sobre a importância do ESG, bem como eventuais lacunas existentes na composição do conselho para fazer estas análises. Welinski entende que este profissional precisa possuir uma visão holística das práticas associadas à cada perspectiva (ambiental, social e governança) e ter a competência de integrá-las de forma efetiva no modelo de negócio. O que ela tem notado no mercado, é que estas posições são ocupadas por profissionais com experiência relevante em temas socioambientais.   

O relatório recém-publicado coordenado pelo l’Institut de l’Entreprise, la Fondation Nationale pour l’Enseignement de la Gestion des Entreprises (FNEGE) e pela  PwC France, intitulado “l’entreprise full RSE, de la prospective à la pratique, la vision des professionnels”, preconiza que a empresa do futuro, denominada  « Full RSC» deverá elaborar sua estratégia na criação de valor para a sociedade/cidadãos e não para os acionistas, deverá também avaliar a sua contribuição global para o desenvolvimento sustentável, e não apenas em nível local. “Ou seja, a empresa deverá provar a sua utilidade. Isto se torna particularmente importante para as empresas multinacionais, as quais têm sido objeto de discussão no âmbito do Conselho de Direitos Humanos da ONU, de um projeto de instrumento jurídico para regulamentar, as atividades de empresas transnacionais e outros empreendimentos de negócios,  o qual inclui ações direcionadas ao dever de diligência a fim de que as empresas gerenciem proativamente os seus impactos aos direitos humanos adversos e potenciais com os quais podem estar envolvidas” analisa Welinski. 

Outro ponto relevante do estudo é que as funções de RSC deverão ser integradas nas várias funções da empresa, como recursos humanos, marketing, finanças, comunicação, cadeia de suprimentos, compras, direção e administração. Como exemplo, Welinski cita que os profissionais de TI deverão conhecer e dominar a eco-concepção dos sistemas de informação, assim como a área de compras deverá considerar a ecoconcepção e uma redefinição dos circuitos de logísticas, os quais deverão ser mais circulares; e a área financeira deverá, por exemplo, familiarizar-se com o mercado do carbono.  

As ações de RSC e de ESG são, essencialmente, de natureza voluntária, mas conforme o instrumento jurídico supramencionado, há uma tendência de criação de obrigações em relação a estes temas, como a European Directive for Corporate Social Responsibility, proposta que se encontra em análise pelos países integrantes da Comunidade Europeia e que tem previsão de votação para julho de 2022.   

de Renata Welinski, consultora de Responsabilidade Corporativa
Renata Welinski, consultora de Responsabilidade Corporativa
Rodrigo Dantas Casillo Gonçalves, sócio da ENSO Consulting
Rodrigo Dantas Casillo Gonçalves, sócio da ENSO Consulting

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