As incertezas econômicas, políticas e sociais somadas à evolução tecnológica exigem um olhar diverso sobre os principais possíveis ambientes
Fim de ano chegando, preços altos do petróleo, invasão digital, conflito bélico, possibilidade de uma nova recessão mundial, inflação em patamares altos, cenário político brasileiro indefinido e tantas outras situações que podem acontecer. Certeza de que não são tempos fáceis para a tomada de decisões. A estas alturas, muitos executivos devem estar se perguntando: como estabelecer um planejamento estratégico que esteja conectado com todas as incertezas para 2023?
Na visão de David Kallás, vice-presidente de Administração na ANEFAC e sócio na KC&D, planejar em épocas de incertezas não é trivial. Em situações como essa, ele acredita que o recomendado é se preparar não só para um, mas para vários futuros possíveis. A técnica para esse tipo de planejamento foi desenvolvida há algumas décadas e é utilizada por diversas empresas como a Shell: o uso de cenários.
Como o ambiente de negócios está em constante mudança devido a uma série de fatores, como o advento das novas tecnologias digitais, as alterações regulatórias, os novos modelos de negócios e o surgimento de novos concorrentes competitivos, aumenta o nível de incertezas das empresas. Embora o planejamento de cenários seja um componente estabelecido dentro das estratégias, o crescente nível de dinamismo e incerteza em muitos mercados fez com que ele ressurgisse com força total.
“É importante analisar o contexto externo e identificar as grandes e principais incertezas. Após a priorização, recomenda-se escolher as duas principais fontes. Para o contexto de diversas empresas operando no Brasil, pode-se citar movimentos de regulação e da economia, por exemplo. Para cada um desses eixos, os executivos podem descrever um extremo positivo e outro negativo, resultando em quatro quadrantes”, explica Kallás:
Cada um desses quadrantes, por exemplo, regulação positiva & economia negativa: ambos positivos, ambos negativos, é um cenário. Para cada um, deve ser atribuído um nome, uma descrição e se deve antecipar as estratégias de ataque (o que fazer para aproveitar esse cenário) e de defesa (o que fazer para se proteger das ameaças desse cenário). Também se deve identificar, para cada cenário, sinais de alerta precoce (early warning signals), que são evidências de fatos ou indicadores que podem alertar para o cenário que está acontecendo.
Ao percorrer esse percurso de construção de cenários, no entendimento de Kallás, os benefícios são evidentes. Por um lado, os executivos conseguem analisar melhor o contexto externo, considerando diferentes pontos de vista. Adicionalmente, já se preparam com antecedência para mudanças bruscas e podem reagir mais rápido aos acontecimentos.
Ao complementar, Alexandre Velilla, vice-presidente adjunto de administração na ANEFAC e sócio na Construtora Quest, o planejamento estratégico envolve uma equação sofisticada em que se busca equilibrar o ambiente interno de uma organização àquilo que o contexto externo apresenta. Nesse sentido, o primeiro passo é entender, esmiuçar e traçar – com base em dados confiáveis, cruzamentos de cenários, projeções e perspectivas quanto a entradas e saídas de recursos – um quadro realista das finanças de um negócio.
Os executivos precisarão identificar gargalos e pontos em que houve avanço em 2022, de modo que seja possível definir os próximos passos da empresa: estamos falando de um período de contenção/corte de gastos ou de um ano em que será possível impulsionar o movimento de recuperação pós-pandemia? O cenário interno permite ações mais arrojadas de crescimento mesmo sendo instável ou é hora de adotar controles operacionais mais rígidos e ter precaução?
De acordo com Velilla, todas as lideranças do negócio devem avaliar os objetivos estratégicos de curto, médio e longo prazo das empresas, entendendo ainda o seu grau de avanço em projetos de maturidade tecnológica e transformação digital – que é um imperativo comum da economia atual. “Na outra vertente da equação do planejamento estratégico, é preciso olhar para fora. E, por mais que o cenário de instabilidade política e econômica gere incertezas e seja passível de reviravoltas, há sempre pistas e indicadores consistentes que devem ser acompanhados pelas lideranças”, analisa.
Pensando em possíveis cenários para 2023, a agência de risco Fitch, por exemplo, reduziu a projeção de crescimento do PIB para 0,8% no seu último boletim divulgado em setembro. Já o Boletim Focus, divulgado no fim de agosto pelo Banco Central, apresentou, pela primeira vez em 19 semanas, a expectativa de queda na inflação para 2023 (6,82%).
O contexto de baixo crescimento econômico, mas de queda no preço ao consumidor, denota, na percepção de Velilla, um cenário ainda conservador para as empresas em relação a grandes planos de expansão – mas o mandatório é que sejam analisados recortes mais específicos de mercado, com as perspectivas para o segmento específico de atuação e eventuais possibilidades de expansão mesmo diante de um panorama de arrefecimento das expectativas externas.
Ainda, quando se fala de “olhar para fora”, acompanhar as tendências (tecnológicas, metodológicas e de posicionamento de concorrentes) é uma obrigação para as lideranças que entendem o potencial de transformação contínua de um ambiente mercadológico em transição para uma economia mais digital, sustentável e também regida por princípios de governança corporativa.
“A partir dessa análise conjunta de fatores internos e externos, será possível calcular com mais precisão as rotas de futuro para o negócio. Mas o segredo aqui é adotar uma perspectiva ágil, flexível e adaptativa para o planejamento: considere e esteja preparado para diferentes cenários, para que seja possível corrigir (em tempo hábil) os caminhos e não ter medo de mudar estratégias conforme novos indicadores, desafios e oportunidades de crescimento se apresentem”, finaliza Velilla. Kallás