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Impacto no Brasil acontece aos poucos: o que há por trás do fenômeno quiet quiting? 

Há algum tempo muito se falou sobre a great resignation, agora, um novo termo percorre o mundo: o quiet quiting. Em português, seria algo como “demissão silenciosa”. Esse fenômeno teve início nos Estados Unidos e rapidamente se espalhou mundo afora. Tudo começou quando o jovem engenheiro Zaid Khan de 24 anos enviou um vídeo para o TikTok falando sobre o conceito. De lá para cá, o vídeo acumulou mais de setenta milhões de visualizações e o fenômeno passou a dominar as conversas, as páginas dos jornais e os talk shows de televisão. 

Muito similar, na China, em 2021, surgiu o lying flat, “plano deitado”. Esse movimento valorizava o simples ato de deitar-se no chão, sem fazer nada, reduzindo as ambições profissionais e simplificando os objetivos dos jovens trabalhadores, “priorizando a saúde mental sobre o materialismo econômico”. Ele nasceu com uma postagem de Luo Huazhong em um fórum da Internet, onde o jovem explicou o estilo de vida que levou nos últimos anos. Huazhong deixou o emprego em uma fábrica chinesa em 2016 e foi para o Tibete de bicicleta. 

Com o objetivo de repensar a relação entre funcionários e trabalho, o quiet quiting não defende a saída do emprego, mas sim o estabelecimento de limites. De acordo com o Urban Dictionary, a página que define os novos conceitos que aparecem na língua inglesa, quiet quiting significa “continuar no trabalho pessoalmente, enquanto mentalmente se afasta e faz o mínimo necessário para seguir em frente”. 

Aqui no Brasil, Virgínia Bento, sócia e diretora de operações na TechTrends, avalia que o movimento está sendo mais entendido como uma viralização do que uma tendência atual, que ganhou um eco maior agora pelo fator temporal de pós-pandemia, com a aceleração para a migração dos modelos tradicionais de trabalho para remotos ou híbridos. “Isso não quer dizer que as pessoas “não estão engajadas”. Inclusive um estudo divulgado do Gallup mostra uma média estável nos postos de trabalho dos anos 2000 até agora. O que é importante é entendermos como acompanhar e alavancar o engajamento dos profissionais em ambientes distribuídos, já que as pessoas não estão necessariamente convivendo. O contato em profundidade pode ir se perdendo”, diz. 

Outra questão levantada por Gabriel Leonardos, sócio-sênior na Kasznar Leonardos, sobre o quiet quiting é que esse fenômeno pode ser entendido por alguns profissionais como a liberdade de escolher o tempo de dedicação ao trabalho, mas que isso somente poderá ter resultados em atividades com maior demanda pelo mercado, como, atualmente, é o caso de TI, por exemplo, e por pessoas de maior nível de escolarização. “Ao tomar essa decisão, precisa avaliar os riscos da sua evolução profissional, os cenários futuros e estar confortável com a escolha que faz. Na minha área de atuação (proteção de patentes e propriedade intelectual) existem engenheiros altamente qualificados que tomaram a decisão de escolher as horas em que prestam serviços para diversos escritórios, preservando sua liberdade de atuação e de dedicação, e estão muito satisfeitos dessa forma”, pondera. 

Por atuar na área de tecnologia, Bento conta que já tinha a tendência de acompanhar a produção, os resultados e não a jornada – ainda quando o modelo de trabalho era totalmente presencial – e agora, novamente pensando em um cenário remoto ou híbrido, a jornada faz ainda menos sentido. “Advogo por acompanharmos além de indicadores, a integração, a dedicação, mas, para isso, é preciso ferramental”, avalia. 

A avaliação de Bento sobre o quiet quitting como um movimento de se entregar “somente” o que é pedido não é necessariamente ruim, já que existe um “contrato de trabalho” – no sentido de relação e não de instrumento propriamente dito – que determina o que se espera daquele profissional e a contrapartida para aquilo.   

“Temos no Brasil e no imaginário de muitos administradores a figura de que só é bom aquilo que vai muito além, mas entender que as pessoas podem ter um escopo bem definido é saudável. Nos últimos anos, apesar das incertezas, insegurança e um tanto de sofrimento aprendemos que buscar um melhor balanceamento entre vida pessoal e trabalho é necessário. Estamos reconstruindo, por vezes na base da tentativa e erro, um novo caminho. Novos caminhos geram mudanças, mudanças não são necessariamente ruins (muito antes pelo contrário!) e nós, especialmente como empregadores, temos que entender que são irrefreáveis e, com isso, nos adaptarmos aos novos cenários”, aponta Bento. 

Pensamento também compartilhado por Leonardos, o quiet quitting pode ser entendido como um movimento que procura equilibrar o tempo de dedicação ao trabalho, por um lado, e o tempo que uma pessoa dispõe para outras atividades (família, cursos, lazer etc.). O movimento só é possível graças às novas formas de contratação, que são mais flexíveis do que no passado, seja por razões legais, ou, principalmente, culturais. “Nos tempos atuais, uma empresa que presa por uma cultura de trabalho com 8 horas por dia, 5 dias por semana, como o único regime admissível para todos os seus colaboradores, irá forçosamente perder talentos e criatividade. Os novos modelos de trabalho, mais flexíveis, devem ser adotados sempre que possível, por toda empresa moderna”, avalia. 

 

Empresas brasileiras podem promover o equilíbrio, a valoração e a flexibilidade na jornada laboral basta olhar por uma outra perspectiva  

Talvez o momento em que se encontra o mercado laboral brasileiro seja, na visão de Bento, olhar para a satisfação dos colaboradores, pois é o que vai gerar o engajamento que todos buscam. Se fala há muito tempo da satisfação dos clientes, mas se esquece as vezes que o engajamento só é possível quando a satisfação começa dentro da empresa e que a satisfação ocorre quando existem experiências que excedem as expectativas criadas. “Para isso, é importante a clareza de que gente é um “bicho” diferente: os motivadores entre as pessoas são variados. Algumas são movidas pelo aprendizado, algumas por status, outras por critérios totalmente práticos, outras inclusive por sociais – o que foi muito impactado durante a pandemia, pessoas que precisam do reforço social e perderam o contato com suas equipes e colegas de trabalho”, relata.  

A tecnologia e o hábito do trabalho à distância, desenvolvidos durante os priores momentos da pandemia, certamente devem permanecer e ser aprimorados, para que seja possível acomodar os profissionais que desejam trabalhar menos horas, naturalmente sendo remunerados de forma correspondente ao seu esforço. Leonardos entende que no Brasil, ainda há insegurança jurídica em relação às novas formas de contratação, em que pese a reforma trabalhista realizada em 2017.  “Idealmente, deveríamos atualizar a nossa legislação para a realidade pós-pandemia. Com uma política moderna de RH, será possível desenvolver profissionais que permanecerão longos períodos com dedicação “parcial”, entremeados por períodos com dedicação integral. Quanto maior for a flexibilidade, maior será a capacidade de atração e retenção de talentos”, alerta. 

Como experiência própria, Bento cita que na empresa onde atua investem há algum tempo em ferramentas para a identificação de Motivadores, porém isso só funciona na prática se um acompanhamento próximo (independentemente dos quilômetros) for feito pelo gestor, que precisa entender como utilizar os valores e motivadores pessoais para formar equipes com alto engajamento. Ela acredita que alguns só estarão satisfeitos de fato com os bons salários, outros com desafios expressivos etc. Além disso, adicionaram uma solução profissional para avaliação de clima, que permite agora avaliar 11 dimensões que podem impactar esse engajamento no cotidiano, o que não acontecia quando as análises eram feitas manualmente, na empresa. “Essas ferramentas ajudam a ter clareza sobre os pontos fracos, mas, novamente, é preciso perceber, enfrentar e atuar, assim conseguimos o equilíbrio e abrir uma via de mão dupla, valorando os profissionais que passam a valorar mais a empresa também”, explica. 

Já Leonardos também ressalta que a relação laboral precisar de mão-dupla. O bom profissional de hoje deseja se sentir dentro de um ambiente ético, com propósito, responsabilidade social e sustentabilidade ambiental, ou seja, ter orgulho em fazer parte de um projeto do qual acredita. Mas a empresa precisa receber comprometimento e engajamento (independentemente do número de horas acordada com o trabalhador). “No Brasil, vejo o quiet quitting como uma oportunidade para que os empresários melhorem e sofistiquem suas políticas de RH, algo que poderá beneficiar toda a sociedade e, ao tornar-se habitual, propiciará inclusive benefícios para as camadas sociais mais humildes, que são as que mais sofrem com a precariedade dos transportes públicos nas grandes cidades: com maior flexibilidade nos horários de trabalho, todos ganharão”, finaliza.  

 

Virgínia Bento
Sócia e diretora de operações na TechTrends
Gabriel Leonardos
Sócio-sênior na Kasznar Leonardos

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