Como construir uma economia mais responsável e sustentável em um mundo que exige solidez financeira e, ao mesmo tempo, a consolidação de iniciativas ESG? Para responder a esta e outras perguntas, em junho foi realizado o Congresso Internacional ANEFAC, com o tema “Por que agregar um enfoque socioambiental a um financeiro”.
Voltado para a América Latina, o evento foi realizado em espanhol e de forma online, para que todos os interessados pudessem participar.
Crédito de carbono e biodiversidade
O crédito de carbono e a biodiversidade foram os temas do primeiro painel, mediado por Vivian Krebs, head da ANEFAC na Colômbia, que recebeu Marco Antonio Fujihara, sócio fundador da Infrapar Capital Partners, e Luiz Lopes Rosal, conselheiro delegado da Azentua.
No Brasil, o crédito de carbono é um tema que ainda carece de regulação e é tratado como um ativo financeiro em vez de um ativo ambiental e, como tal, possui todas as características de como contabilizá-los e reportá-los.
Os créditos de carbono foram criados para transacionar reduções de emissões entre empresas e países. A primeira tentativa de transação ocorreu por meio do Protocolo de Kyoto, acordo ambiental fechado em 1997 durante a 3ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.
Alguns dos compromissos fechados ali, no entanto, não foram cumpridos e precisaram ser renovados no Acordo de Paris, em 2015.
Porém, é preciso considerar que o cenário latino-americano é bastante diferente do cenário europeu. Na Europa, as permissões de emissões são distribuídas pelo poder público para que as empresas possam equacionar suas emissões, algo que está regulado há bastante tempo ali. Entretanto, nos países da América Latina não há uma regulação precisa sobre o assunto, então foi criado um mercado voluntário de redução de emissões, que tem crescido muito, e onde as empresas destes países podem apresentar seus projetos de redução de emissões comprovados e certificados para então comercializar seus créditos de carbono com outras empresas.
A questão, segundo Marco Antonio Fujihara, é como fazer estas transações entre os mercados regulados na América Latina, onde os países estão em níveis diferentes neste caminho de regulação futura. “No mercado voluntário, não há uma regulação específica, mas é preciso atender a critérios bastante rígidos, que dizem respeito aos projetos, às auditorias e, principalmente, aos custos destas transações. Precisamos pensar em como criar uma boa atmosfera de transações nos mercados voluntários dos países que não têm uma regulação como a da Europa, mas que têm a capacidade de gerar um bom volume de créditos de carbono, com um custo muito menor do que o praticado nos países europeus. E a regulação local depende de uma regulação diplomática, então precisamos estar preparados para isso.”
A taxonomia financeira das empresas europeias precisa ser levada em conta na discussão de finanças sustentáveis. Em 2014, foi criada uma diretriz de variáveis não financeiras, criada para ajudar as empresas a entenderem que não adianta contabilizar os aspectos sustentáveis da forma como as variáveis financeiras, como os impactos ambientais e sociais, são tratadas em um balanço contábil.
Em resposta à Agenda 2030, a Europa assumiu passos no caminho para um futuro mais sustentável. Há três ramificações importantes a considerar na hora de incluir o setor e o aporte financeiro para que esta política de sustentabilidade seja realmente factível: a NFRD, a taxonomia e a SFDR.
“Elas foram a regulamentação que obriga as grandes empresas e as companhias de interesse público a aderirem a uma linguagem de reporte na qual possam informar quais têm sido os resultados financeiros das ações adotadas por elas para a redução dos impactos ambientais e mensurar se estas empresas ou as atividades são sustentáveis ou não”, explicou Luiz Lopes.
Green Deal
O Green Deal (Pacto Verde Europeu) teve um grande impacto na taxonomia das empresas europeias, que foi criada para transformar a economia da União Europeia, tornando-a mais moderna, eficiente e competitiva, garantindo o fim da emissão dos gases de efeito estufa até 2050, com um crescimento econômico e social integrador e inclusivo. Enquanto o Green Deal pretende converter a Europa na primeira zona climaticamente neutra do mundo, alcançando os objetivos ambientais de forma justa, rentável e competitiva.
“Eu não acredito que as empresas, na maior parte dos casos, estejam preocupadas com a questão verde pela sustentabilidade em si, há muito ‘greenwashing’, mas se preocupam sim com a obrigatoriedade e as multas consequentes. A questão é como equilibrar o lado diplomático e o prático”, opinou Marco.
Todos os participantes concordaram que o papel do setor financeiro neste momento será justamente se aproximar do setor voltado à sustentabilidade dentro do negócio, para que as metas e possibilidades de cada negócio e país sejam alcançadas.
Inteligência Artificial como aliada
Marco Antonio Fujihara compartilhou ainda que utiliza software com inteligência artificial para fazer o cálculo de quais caminhos são mais financeiramente econômicos quando o tema é redução de emissões. “Não é possível fazer o cálculo mais preciso de outra forma. Por isso, recorremos a um sistema que está localizado no Vale do Silício para fazer este cálculo”.
Normas e comunicações
No segundo painel do evento, o professor Héctor Sarmiento, associado do Politécnico Colombiano em Medellín, e Vânia Borghetti, membro do Comitê de Auditoria do Banco Santander, com mediação de Marta Pelucio, membro do Conselho de Administração da ANEFAC, trataram do tema “Normas e Comunicações”.
A normatização dos relatórios de sustentabilidade está passando pelo que já foi vivido no mundo antes da padronização trazida pelo IFRS: cada país tem seu próprio modelo de informação, o que dificulta a leitura e compreensão das empresas de outras localidades acerca destes dados.
O conceito de transparência das informações que impactam os negócios não se limita mais apenas ao aspecto financeiro puro e simples. As questões ESG têm se tornado cada vez mais relevantes no mercado.
Segundo Vânia Borghetti, isso ocorre porque se a empresa é muito lucrativa financeiramente, mas utiliza recursos não renováveis sem se preocupar com a sua finitude, ela não será capaz de entregar resultados financeiros a longo prazo. O mesmo ocorre do ponto de vista social, pois se esta empresa não é um bom lugar para trabalhar, ela terá dificuldade em reter e conquistar talentos, o que impactará negativamente sua competitividade. O mesmo ocorre quando os contatos de determinada companhia estão envolvidos em corrupção, pois o potencial de risco e prejuízo futuro é enorme.
“Por isso, os relatórios envolvem os quatro pilares: financeiro, social, sustentabilidade e governança corporativa. Mas precisamos que estas informações venham de forma comparável de um ponto de vista global. A solução para isso foi que a IFRS Foundation fizesse, semelhante ao que já executou acerca das informações contábeis, um modelo global de relatório que abrangesse estes tópicos. Esta decisão foi tomada durante a COP 26 em 2021, pontua Vânia”
Em junho de 2023, foram lançadas as duas primeiras normas nesse sentido, a IFRS S1, que trata dos requisitos gerais para os relatórios que unam informação financeira aos dados de sustentabilidade mais gerais; e IFRS S2, que trata de forma mais específica de informações relacionadas ao clima, baseadas no Task Force on Climate-Related Financial Disclosures (TCFD). As regras já entrarão em vigor a partir de janeiro de 2024. A expectativa é lançar também um novo código de ética que contemplará o aparato necessário para garantir a confiabilidade da informação generalizada nos relatórios de sustentabilidade.
No Brasil, temos o Comitê Brasileiro de Pronunciamentos de Sustentabilidade (CBPS) e, embora não tenham direito a voto, os padronizadores brasileiros participam ativamente de todas as reuniões mensais para estarem preparados para implementar as normas que estão sendo disponibilizadas para o mercado mundial.
Opacidade e manipulação dos relatórios de sustentabilidade
O professor Héctor Sarmiento salientou a importância de se ter em mente que, quando falamos sobre relatórios de sustentabilidade, há uma questão de poder entre reguladores e empresas, que têm uma relação estreita e com interesses próprios de cada lado. “Podemos usar o modelo de ensino global da Contabilidade como exemplo, uma vez que é praticamente patrocinado por uma grande empresa de auditoria e as informações e formatos ensinados como padrão respondem às necessidades desta empresa. O mesmo ocorre nos relatórios de sustentabilidade, onde grandes empresas participam do desenho destas normas e isso constitui um poder político para tomar decisões de acordo com seus interesses e necessidades. Esse poder econômico acaba sendo também um poder político sobre os reguladores e emissores de políticas públicas. Precisamos pensar de que forma a opinião pública começa a ser moldada a partir das corporações e dos órgãos reguladores.”
Os conflitos ambientais são frutos do que as empresas fazem. Hector compartilhou que existe uma lista dos países da América Latina que lideram este tipo de questão e até pouco tempo ela era liderada pelo Brasil. Hoje, esse lugar é ocupado pelo México, e o Brasil caiu para o segundo lugar, enquanto a Colômbia está na terceira posição.
“Nos perguntamos a quem se reportam esses conflitos ambientais, quem os controla e quem é responsável social e ambientalmente por eles. Essa análise, que é uma crítica da crítica, é feita para que possamos entender o contexto sem a interferência das empresas e dos esforços que têm sido feitos em termos de regulação”, explicou o docente.
“O que percebemos com o levantamento que temos feito com pesquisadores de diversos lugares do mundo é que esses conflitos não aparecem nos relatórios de sustentabilidade. O termo ‘conflito ambiental’ não existe nestes documentos. Os relatórios, tanto o integral quanto o focado apenas em sustentabilidade, eliminam este conceito de conflito ambiental, tratando apenas de incidentes ambientais, que é um conceito muito mais pontual. Então essa tragédia que vemos na América Latina não existe ou é vista de uma forma muito encoberta”, continuou.
Há uma tentativa de invisibilizar as outras partes que fazem parte do conflito. As comunidades indígenas, por exemplo, nem sequer aparecem pelo nome coletivo. Mesmo empresas que têm um conflito nesse sentido, inclusive com processos judiciais sobre o tema, não o colocam em seus relatórios de sustentabilidade e são tratados de forma condescendente nestes documentos.
Logo, podemos ver que há uma idealização permeando esses relatórios, tratando esses conflitos como algo beneficente em favor das comunidades, quando na verdade há condenações judiciais contra essas empresas e suas ações. Isso reproduz a lógica de exploração dos recursos naturais da América Latina. Isso significa que, nesse sentido, as regulações não têm feito muito em prol da solução do problema.
Para Hector, essa realidade não significa que não seja necessário regulamentar essas informações, mas também não podemos ignorar que o que é dito não é o mesmo que é praticado.
A realidade encontrada aqui é diferente da existente na Europa, e isso precisa ser considerado no processo de regulação, dando voz a essa parte invisibilizada e marginalizada, não necessariamente no sentido técnico, mas sim qualitativo dessas informações. Precisamos ouvir o ponto de vista de quem sofre os impactos ambientais causados pelas grandes empresas.
Chat GPT – Impactos na sociedade
Para trazer um enfoque um pouco maior sobre o uso de Inteligência Artificial no mercado e seu impacto na sociedade, Emerson Diaz, head de Capital Humano da ANEFAC, apresentou Aldo Segnini, vice-presidente e CFO da International Association of Artificial Intelligence (I2AI), que protagonizou o painel sobre o tema.
A Inteligência Artificial foi criada para imitar o processo de aprendizado humano, mas, diferente de nós, ela é muito boa em apenas uma coisa e, nessa única coisa, ela se torna melhor do que nós.
A partir desse conceito, nasceu o Chat GPT, a ferramenta mais conhecida hoje dentro do espectro da IA, baseada em Large Language Models, ou seja, que aprende com um volume muito grande de informações. É um modelo generativo, como exemplifica o “G” em seu nome, que tem a capacidade de gerar textos muito bons, porém limitado às conexões entre as palavras em um determinado contexto.
Impactos na sociedade
Há uma corrente de pensamento que diz que a IA tem o potencial de acabar com a raça humana. Para Segnini, essa projeção não é algo impossível, mas ele entende que estamos apenas começando a desenvolver a tecnologia e, nesse processo, podemos criar as ferramentas e regulações necessárias para um uso ético dessa inteligência.
“Eu sou uma pessoa muito otimista e acredito que teremos uma qualidade de vida muito melhor com a chegada das novas tecnologias, tanto a IA quanto a tecnologia quântica, que não deve demorar a se concretizar. Poderemos resolver os problemas de aquecimento global com a ajuda dessas ferramentas. Não na minha geração, mas talvez na do meu filho ou do meu neto.”
Mas, de acordo com o especialista, há sim alguns riscos e impactos que precisam ser considerados e, em alguns casos, combatidos:
Privilégio do uso da tecnologia por grupos específicos em vez de haver um livre acesso a todos;
Transformação na educação e trabalho, que se adaptarão a essa nova forma de estimular o aprendizado. Já há faculdades renomadas utilizando a IA para auxiliar os alunos em seu processo educativo;
Produção intelectual e artística, com impactos diretos nos direitos autorais e no uso de imagem;
Alucinações do Chat GPT, mesmo que esteja em processo de rápida melhoria, o modelo ainda gera respostas inventadas;
Formas de utilização do Chat GPT, uma vez que a falta de conhecimento do modelo gera risco de uso não ético e possivelmente danoso ao ser humano;
Contexto de treinamento desatualizado, já que o mundo muda em um ritmo bastante acelerado.
Os impactos no trabalho podem ser tanto positivos quanto negativos, dependendo do mercado do qual estamos falando. Segundo Aldo Segnini, eles são:
- Fim das atividades repetitivas, liberando as pessoas para atividades mais humanas;
- Redução drástica nos atendimentos aos clientes realizados por humanos, o que impactará os empregos atualmente existentes no mercado, demandando uma nova capacitação das pessoas para que elas possam atuar em outras áreas no mercado de trabalho;
- Aceleração da capacidade de produção de conteúdo, o que aumentará a eficiência das empresas, seus resultados e, assim, potencializará a geração de empregos;
- Risco de geração e propagação de conteúdos falsos;
- Risco de terceirização da tomada de decisão para a IA, que poderá ser enviesada e prejudicial para os negócios;
- Aumento nas vagas de emprego para pessoas com conhecimentos de IA e análise e geração de dados.
A questão é: como estar pronto para essa mudança? Aldo acredita que seja somente por meio da capacitação e atualização contínua. “Se queremos continuar sendo relevantes nos mercados em que atuamos, devemos ter um espírito de aprendiz. Isso vai além de meramente aprender, mas também implica em aprender a ‘desaprender’ o que já foi enraizado em nós para que possamos começar a fazer novas conexões nesse processo de conhecimento.
Confira o evento na íntegra: