Um dos principais desafios de qualquer empresa hoje é realizar a gestão e governança tributária de forma eficiente para atender às demandas do fisco, mas também dos investidores. Enquanto um lado exige que todas as obrigações sejam cumpridas, o outro espera que a organização encontre formas de pagar menos impostos de maneira legal e segura. Porém, descobrir esse caminho é, por vezes, algo complexo.
Para ajudar os profissionais que estão nesta jornada, a ANEFAC realizou, no dia 28 de junho, o 3° Circuito da Transparência, desta vez focado em governança tributária. O objetivo do evento foi discutir as melhores práticas e estratégias para a gestão eficiente dos aspectos tributários nas empresas. O painel foi apresentado por Roberto Fragoso, Head de Tributos da ANEFAC, que recebeu Rogério Araújo, Head de Tributos da Tetra Pak, para compartilhar sua visão e experiência no tema.
Hoje podemos dizer que temos mais espaço para implementar uma governança tributária eficiente devido à digitalização das obrigações fiscais e, consequentemente, à maior agilidade dos processos. O que antes exigia horas de trabalho manual está caminhando para uma automação cada vez mais eficiente, o que permite que os profissionais do setor direcionem seus esforços para uma atuação mais estratégica. No entanto, isso não significa que os desafios a serem enfrentados sejam menores.
Governança tributária e gestão de equipe
Segundo Rogério Araújo, a governança tributária de uma empresa não deve ser realizada por apenas uma pessoa, especialmente quando se trata de grandes companhias. Além de montar uma equipe, o gestor precisa entender como envolver esses profissionais nos projetos e demandas. “É preciso que todos participem, não devemos centralizar as informações, nem nos sentirmos os únicos donos do processo. Eu tento trazer para a equipe o senso de responsabilidade e deixar claro que a opinião de cada um é importante para ajudar nas discussões. Ao empoderar a equipe, ela pode oferecer um grande suporte ao gestor tributário. Eu procuro envolver todos e, na medida do possível, dar autonomia para que eles tomem decisões. Claro que faço a minha gestão, mas não fico microgerenciando processos. E, com isso, sempre sou muito bem surpreendido ao dar poder às pessoas”.
Porém, nem toda gestão tem adotado essa abordagem. “Já estive envolvido em algumas discussões tributárias em que as pessoas não tinham conhecimento geral do que estava sendo feito. Essa postura era muito ruim, pois não permitia o crescimento dos profissionais nem a possibilidade de pensar em cargos de sucessão. Portanto, elas não eram preparadas para entender o nível de senioridade das discussões e não se sentiam parte do processo”, relatou Araújo.
Mesmo pessoas que atuam em diferentes frentes da área tributária podem se relacionar e trocar informações que impactarão não apenas a área tributária, mas a empresa como um todo. Para Araújo, um bom caminho para alcançar esse resultado é envolver todos nas discussões gerais. Dessa forma, todos estarão na mesma página. Um exemplo disso é em conversas sobre fiscalização de ICMS, onde é possível reunir as equipes de impostos indiretos, impostos diretos e também a equipe de mitigação, que com seu olhar mais específico pode ajudar a evitar uma autuação, vislumbrando uma estratégia de defesa administrativa, caso necessário.
“É preciso ter em mente que o aspecto tributário é muito relevante para o resultado da empresa, então antecipar-se e fornecer a melhor orientação antes de executar qualquer tipo de estruturação, venda ou produto acaba gerando muitos benefícios para a empresa e evita passivos futuros. Mesmo quando a legislação não é muito clara sobre determinado assunto, é possível fazer a gestão de riscos para resguardar a empresa de problemas futuros”, destacou Araújo.
Engajar a alta liderança
Com a equipe participativa, surge um segundo desafio: como engajar a alta liderança, trabalhando o ambiente de forma que tudo esteja alinhado. Para o Head de Tributos da Tetra Pak, o primeiro passo é mostrar empatia e se posicionar como uma ponte e não como alguém que traz apenas dificuldades. “Quando nos colocamos como o setor que sempre desestimula mudanças e processos, a liderança evita compartilhar conosco seus objetivos e os realiza de forma sigilosa, o que torna a resolução do problema posteriormente muito mais difícil”.
Segundo o executivo, tentar estar próximo e agendar reuniões periódicas com a área de negócios também é fundamental para esclarecer dúvidas. Nesse processo, é importante ser um tradutor de informações, pois o uso de linguagem técnica e jargões contábeis dificulta o entendimento da outra parte e não surte o efeito desejado.
Quando adotamos essa postura, é mais provável que a área de governança tributária seja vista como uma aliada, uma fonte de informações confiáveis e seja procurada antes dos processos de tomada de decisão.
Rogério relata que estão sendo criados mecanismos que utilizam Inteligência Artificial para estabelecer uma rotina de perguntas e respostas e facilitar a comunicação com sua equipe.
Atualização constante
Uma das principais dificuldades para quem atua no setor fiscal é manter-se atualizado sobre os diferentes impostos cobrados em cada estado ou cidade. A Margem de Valor Agregado (MVA), por exemplo, é atualizada quase que diariamente para uma ampla gama de produtos. Mesmo assim, é necessário estar atento para gerir esses tributos corretamente.
“Há muito tempo, criei o hábito de reservar um momento no início do dia para ler. Antigamente, eu dependia muito dos informativos da IOB, que eram em papel e, devido à logística do processo, não eram atualizados em tempo real como os que temos hoje. Atualmente, recebemos informativos diários de diversas assessorias jurídicas e empresas de auditoria. Dessa forma, é muito mais fácil identificar o que impacta o negócio e replicar essas informações para as áreas competentes. Felizmente, a empresa em que trabalho não está sujeita à substituição tributária, o que economiza metade do meu tempo”.
Além de se manter atualizado, é preciso pensar em como comunicar o impacto dessas mudanças para a estrutura do negócio, pois muitas vezes elas afetam não apenas a área fiscal, mas também os preços praticados pela empresa.
Impostos e ações judiciais
No regime brasileiro, a responsabilidade tributária de compreender a legislação e entender em qual aspecto o negócio se enquadra é da própria empresa. Muitas vezes, isso leva a disputas judiciais com o Estado. Faz parte das atribuições da governança tributária analisar se é viável entrar com um processo e o que embasa essa decisão.
“Primeiro, precisamos entender a tese, se ela é lógica e se não está exagerada, com potencial de recuperação tributária muito maior do que aquilo que temos direito. Essa é uma avaliação que cada negócio precisa fazer. Em segundo lugar, é necessário levantar os precedentes, ou seja, quais têm sido as decisões sobre o tema em questão e, se necessário, entrar com um mandado de segurança para evitar a prescrição do direito tributário. Por fim, é preciso entender se faz sentido entrar com a ação considerando o valor que será gasto no processo em relação ao que será recuperado em termos tributários, pois nem sempre valerá a pena”, explicou Rogério Araújo.
Qual é o modelo de governança tributária ideal?
O gestor entende que o modelo de governança tributária ideal é aquele em que as informações são compartilhadas no colegiado da empresa, junto à diretoria e ao setor jurídico, inclusive para analisar aspectos reputacionais e de ESG, bem como com a tesouraria, para ter uma ideia do fluxo de caixa e o quanto isso pode afetar os desembolsos ou créditos futuros do negócio. O próprio comitê de auditoria pode participar dessas conversas, e muitas vezes eles mesmos solicitam isso.
É claro que estamos falando de decisões mais relevantes, e não das menores do dia a dia. Mas aquelas que têm maior impacto para o negócio podem passar por um processo de decisão mais assertivo quando todos têm acesso às informações.
O gestor tributário precisa ter consciência de que os administradores são responsáveis por todas as transações da empresa. Portanto, toda decisão precisa envolver a gestão, para que não haja surpresas para essas pessoas ou grupos.