Previous
Next

A pedagogia da superação para todos 

Todos têm o direito à superação dos desafios inerentes à vida na Terra. Esse é o fundamento inicial da nossa tese apresentada para o doutorado em educação. Trata-se do “princípio de superação”. Esse ponto parte de uma força íntima, inerente à própria vida em si, e precisa receber apoios, estímulos e sistemas de educação e liderança. O princípio de superação será seguido por um “plano”. 

Essa fase estabelece uma conexão de “fontes de felicidade”. Significa dizer que, não importa qual seja a situação vivida, será essencial conectar os instantes do presente com perspectivas de felicidade. Isso representa criar esses instantes, momentos felizes dentro das circunstâncias vividas (recordo-me de momentos extremamente difíceis, em hospitais públicos, realizando cirurgias a cada três semanas ao longo de sete meses. Eu conseguia vivenciar momentos felizes brincando com aviõezinhos de papel nas janelas do 9º andar, jogando jogo de botão numa mesinha da enfermaria e ouvindo rádio de pilha com radialistas animados todos os dias, como Barros de Alencar e Vicente Leporace, dentre outros, nos anos 60). 

Com o plano, desenvolvemos “conteúdos estratégicos” de superação. Criamos os jogos da vida e participamos deles. Aqui entram quatro letras sagradas: ALEE – amor, labor, ética e estética. Papéis vitais da arte, da música, dos poemas, da ciência, das pinturas, da transformação da sua vida em frutos visíveis de labor com ética e estética. O amor, extraído de dentro de cada um de nós, nos traz a dignidade poderosa da autoestima. Esse passo nos encaminha ao próximo fator, que são “procedimentos superantes”: aprender, acreditar, criar, inspirar/admirar. 

O papel de educadores na forma de amizades, vizinhos, organizações de filantropia, a comunidade, artistas. Somos inspirados por seres humanos que nos fazem ver que também poderemos um dia ser alvo da admiração do mundo. Começa a se estabelecer na própria consciência do ser humano o valor que transforma os instantes, cada ato, em “atitudes”, substituindo papéis de vítimas por protagonistas. Resgatamos as fontes puras das nossas crianças interiores, a curiosidade de poder criar vida onde as circunstâncias poderiam tê-la exterminado. 

Seres iluminados como Edgar Morin nos orientam: “precisamos ser educados para as incertezas”. Paulo Freire nos ensina a “pedagogia da esperança”. Viktor Frankl diz que “o ser humano pode superar todas as condições se encontrar um sentido de vida pelo qual valha a pena viver”. Boris Cyrulnik constata que cerca de 35% das crianças nascem com dificuldades de se relacionarem e 5% com dificuldades gigantescas. A superação exige educação desde o berço, envolvendo “candura, inclusão, confirmação e presença”. 

Nos aspectos traumáticos, catástrofes, tragédias, acidentes, precisamos ter cinco áreas conscientes de liderança nos processos: resgatar, acolher, reeducar, reinserir e libertar. O resgate é o que precisa ser feito dentro da situação trágica vivida. Em seguida, vem o acolhimento, dois aspectos exemplares dentro da tragédia recente do Rio Grande do Sul, e outras vivenciadas. Daí em diante, é preciso reeducar para a nova vida, pois nada será igual ou como antes. A reeducação precisa conduzir a pessoa ou a sociedade para uma reinserção nas atividades a serem realizadas e, uma vez feita a reinserção, precisamos libertar para que seja possível criar e viver as novas vidas após as adaptações feitas. 

O sofrimento, como choque inicial, deve nos levar à transformação interior com afetividade. O poder criativo se manifesta como arte, visualizamos uma nova riqueza onde só havia dores. Nos relacionamos com pessoas que nos fazem sentido. O papel do educador da superação orienta com métricas combinadas que ofereçam racionalidade aos progressos. E, como sempre, em toda superação, precisa haver a libertação para que não se estabeleçam sistemas de dependências, impedindo a liderança de cada indivíduo sobre si mesmo, como também sofrimentos históricos repetitivos intermináveis. 

É importante diagnosticar, dentro do objetivo da pedagogia da superação, quais são os “valores” com os quais a pessoa atua no mundo ou uma sociedade específica. A superação parte de um princípio da sua possibilidade com as forças criadoras estéticas e éticas, como o filósofo Makiguti define: “o bem, o belo e o útil”. Compreender essa escala e hierarquia de valores, ao lado do diagnóstico de “aptidões x atitudes humanas”, servirá de iluminação para uma trajetória que estará acima de reconstruções físicas e materiais, ou seja, após o resgate e o acolhimento. A reeducação, para ser bem-sucedida, exigirá os pontos acima. Exemplifico com o que o maestro João Carlos Martins me disse: “quando abandonei o dom que Deus me deu, nada deu certo. Após tentar outras áreas, voltei para o meu dom. De intérprete pianista, virei maestro. A música venceu”. 

Dessa forma, a superação toma proporções poderosas quando criamos a consciência de que há um “inédito viável a ser realizado, e que precisamos fazer agora aquilo que, se não for feito agora, não será feito no futuro” (Freire).  

Essa consciência poderosa surge com um “ato limite”. Quando a situação que precisa ser superada se torna inaceitável sob todas as circunstâncias. (Na minha experiência de vida, foi quando decidi, como ato limite, aos 15 anos de idade, que jamais voltaria aos hospitais para fazer cirurgias plásticas corretivas. Meu ato limite foi assumir meu rosto queimado como havia ficado. Daí pra frente, a música, os estudos, os verdadeiros amigos, a literatura e o trabalho se apossaram do meu destino. Eu chamo isso, em inglês, de “point of no return”). 

A superação pode e deve ser ensinada. Deve ser alvo da Pedagogia, e quanto mais preparamos crianças na primeira infância para as inexoráveis lutas futuras da vida, melhor estaremos desenvolvendo a sociedade humana. Precisamos de educadores da superação. Não apenas nas escolas, mas nas empresas, associações, política, vilas, bairros, comunidades, mídia, nos líderes nacionais e mundiais e, sem dúvida, dentro de cada família, onde se estabelece o “íntimo uterino”. Se houver falta dele, que venha o “íntimo da vizinhança” ou o “íntimo da comunidade”, onde um dia transformaremos o planeta Terra num único amor para todos. Pois o ato de amar significa, para sempre, aperfeiçoar. 

Artigo de  José Luiz Tejon, head de agronegócio da ANEFAC 

*Tese de doutorado: Por uma “Pedagogia da Superação”, apresentada no Programa Avançado de Educação da Universidad de la Empresa. Leia a tese completa aqui. 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.