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Os aspectos práticos da MP 1262 e a introdução do Pillar 2 no Brasil 

Em um período marcado por significativas mudanças na tributação internacional, o Brasil se prepara para a implementação da Medida Provisória 1262 de 2024, que traz repercussões diretas para grupos multinacionais. Sob a orientação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e do BEPS Inclusive Framework, a nova legislação introduz o adicional da Contribuição Sobre o Lucro Líquido (CSLL) voltado para o Pillar 2, estabelecendo um imposto mínimo global de 15%.  

A ANEFAC realizou evento para discutir o assunto no dia 29 de novembro com conteúdo de Ana Cláudia Akie Utumi, Utumi Advogados, Henrique de Palma, Cescon Barrieu, Kyoji I., Meta, e Rodrigo Lazaro, ANEFAC.    
 
Contexto tributário e internacional 

Ana Cláudia Akie Utumi, sócia da Utumi Advogados, destaca que a MP 1262 e a Instrução Normativa (IN) 2228 de 2024 se aplicam especificamente a multinacionais com receitas anuais superiores a 750 milhões de euros, refletindo um esforço internacional para combater a erosão da base tributária e a transferência de lucros. “A medida começa a produzir efeitos a partir de 1º de janeiro de 2025, estabelecendo um novo paradigma na forma como as empresas serão tributadas no Brasil”, comenta Utumi.  

Ela explica que a introdução do Pilar 2 é um reflexo das preocupações globais sobre a possibilidade de países competirem entre si para atrair investimentos por meio de alíquotas de impostos corporativos muito baixas. Utumi destaca a necessidade de entendimento claro das diretrizes da OCDE para que as empresas possam honrar suas obrigações fiscais e evitar penalizações por não conformidade. 

Aspectos práticos da aplicação da MP 1262 

Henrique de Palma, sócio da área tributária do Cescon Barrieu, elucida alguns dos complexos mecanismos introduzidos pela MP. Ele afirma que a legislação é densa, exigindo um entendimento profundo das novas regras e conceitos, como o cálculo da alíquota efetiva e do adicional da CS. “O desafio para as empresas será navegar nesse novo sistema tributário e garantir que a alíquota efetiva não caia abaixo do mínimo estabelecido”, ressalta Palma. 

Para Palma, a MP também exige que as empresas desenvolvam uma conformidade robusta, já que a implementação das novas regras não se limita apenas ao cálculo de impostos, mas se estende à construção de relatórios detalhados que comprovem a eficácia da tributação. Ele acredita que a falta de clareza em algumas disposições da MP pode gerar insegurança jurídica, o que reforça a importância da orientação profissional para a sua aplicação. 

Kiyoshi Ishikiyama, especialista em tributação internacional, menciona o impacto direto que essa regulamentação trará para grupos com presença na Europa, onde regras similares já estão em vigor. Ele adverte que, caso uma subsidiária brasileira não atinja a alíquota mínima de 15%, isso poderá desencadear a necessidade de pagar um complemento de imposto na própria jurisdição de onde as operações estão localizadas. “Esse cenário pode criar um efeito cascata onde as multinacionais precisam estar atentas à tributação em múltiplas jurisdições simultaneamente,” explica Ishikiyama. 

Reflexões sobre o futuro 

Rodrigo Lázaro, da ANEFAC, eleva o debate ao determinar que apenas uma fração das empresas que operam no Brasil será afetada pelo novo regime tributário. Dos 3 mil grupos estrangeiros identificados pela Receita Federal, apenas 290 têm alíquotas efetivas abaixo de 15%. “Isso evidencia que, embora a MP traga uma mudança significativa, o número de empresas diretamente afetadas é relativamente pequeno”, conclui Lázaro. 

Lázaro também destaca a importância da transparência e da boa governança corporativa neste novo cenário tributário. Ele acredita que a implementação do Pilar 2 exigirá um alinhamento entre as diversas áreas dentro das empresas, como contabilidade, jurídico e compliance, para evitar riscos de não conformidade que podem resultar em penalidades severas. Ele enfatiza a relevância das informações fornecidas na Declaração País a País (CbCR), que servirão como base para a análise do cumprimento das novas regras. 

Outro ponto destacado por Lázaro é a necessidade de as empresas que possuem benefícios fiscais, como os de P&D ou os que incentivam a implementação em regiões específicas, revisarem suas estratégias tributárias. Ele observa que o novo regime pode levar empresas a reavaliar a viabilidade de tais incentivos, uma vez que a introdução de um imposto adicional pode impactar diretamente a rentabilidade esperada desses projetos. 

Finalmente, a análise de como os grupos multinacionais devem navegar por essas novas águas fiscais é crucial. Kiyoshi Ishikiyama recomenda um diálogo constante e eficaz com a as subsidiárias em outros países para garantir uma consistência e um alinhamento nas políticas tributárias adotadas. “O entendimento mútuo das regras que cada jurisdição está implementando em relação ao Pillar 2 será vital para otimizar a carga tributária global do grupo e evitar conflitos com autoridades fiscais em diferentes regiões,” acrescenta Ishikiyama. 

Com a publicação da MP 1262 e a iminente implementação do Pilar 2, o Brasil se alinhará às melhores práticas internacionais em matéria de tributação, marcando uma nova etapa na administração fiscal para grupos multinacionais. A legislação trará um processo mais rigoroso em torno da determinação de impostos, exigindo que as empresas estejam bem-preparadas para atender às novas exigências. 

A eficácia da MP dependerá não apenas da compreensão de seus meandros, mas também da capacidade das empresas em se adaptarem a um ambiente fiscal em mudança. Essas mudanças prometem aumentar a transparência e a equidade no sistema tributário, mas ocasionarão esforços significativos de conformidade e planejamento por parte das corporações. 

À medida que as regulamentações evoluem, especialmente em um cenário global em constante mudança, o papel dos advogados tributaristas, contadores e consultores se tornará mais crucial do que nunca. A expertise dessas profissionais será essencial para que as empresas não apenas cumpram as novas diretivas, mas também aproveitem as oportunidades que podem surgir com uma estrutura tributária renovada. 

Assim, à medida que o Brasil se dirige para a implementação dessas diretrizes, a colaboração entre os setores jurídico e financeiro dentro das corporações será um fator determinante para a mitigação de riscos e a maximização de oportunidades, assegurando que possam prosperar em um ambiente tributário cada vez mais complexo e interconectado. 

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