A pandemia trouxe um marco em termos de discussão e implementação de novas práticas corporativas para gestão e liderança. No mundo digital foi preciso aprender a destacar o soft e o relacional. Desde então, vimos o retorno gradativo ao presencial em vários segmentos, a intensificação dos debates em torno dos modelos de liderança, NR-1, burnout, riscos psicossociais, bem-estar emocional e a chegada da inteligência artificial ao nosso novo mundo corporativo. O cenário segue, portanto, misturando tecnologia, ciência, digital com a importância das vivências e das experiências – o que também impacta os modelos de trabalho e, portanto, as lideranças. Quando lemos ‘liderança humanizada’, poderíamos considerar renomear o conceito? Há exemplos que corroborem essa proposta?
A liderança acontece de forma intencional, por meio do relacionamento de pessoas. Então, ela deveria ser ‘humana’ pela essência. Contudo, sabemos que há diferentes estilos e tipos de liderar e que nem sempre essas relações acontecem através de interações honestas, transparentes e empáticas. Vale recordar como a pandemia promoveu a disseminação de conceitos e discussões sobre ‘soft skills’, ‘human skills’, ‘people skills’, ‘power skills’ – termos esses já existentes, mas, naquele momento, elevados a uma necessidade para a condução dos trabalhos no mundo pós pandemia. Na realidade, isso sempre foi importante. Na área da saúde, por exemplo, vivemos a relevância da empatia no dia a dia. Os times de diagnóstico e de cuidado precisam ‘se ver’ para poder ver os pacientes – e isso não é restrito à liderança.
Há alguns modelos de oportunidades de interações empáticas e recíprocas que fazem a diferença para as equipes (entre si e na assistência e no atendimento aos pacientes). Uma primeira experiência importante é o cuidado com os rituais de gestão. No mundo digital, temos inúmeros recursos altamente tecnológicos de business intelligence, business analytics, alarmes e notificações proativas e inteligentes para situações críticas. As equipes estão constantemente imersas em informações e relatórios, status e metas. Em um exercício de desenho empático de ritual de gestão podemos reservar o momento inicial para conversas significativas, pautas mais soft e relacionais antes de mergulhar nas análises dos dados e nos recursos de navegação em dados. Essa breve pausa, movimentada por perguntas como ‘o que aprendemos’, ‘o que fizemos de extraordinário juntos’ e ‘como estamos’, muda a dinâmica do ritual e fomenta conversas sem metas – o que é essencial para o relacionamento interpessoal.
Para complementar o ritual, temos alertas inteligentes que nos permitem iniciar o dia com e-mails automáticos programados para compartilhar os recordes, as inovações e melhorias de processos implantadas e as sugestões de benchmarking. Antes de cobrar, passamos pelo celebrar e reconhecemos o que aconteceu na etapa anterior. Esse modelo de gestão, denominado de ‘razão e sensibilidade’, alcança inclusive a cocriação de indicadores de orgulho: métricas e indicadores definidos pelos times como fontes de energia e de empatia diária. São exemplos: tempo de casa, número de relatórios de melhoria contínua; número de desenvolvimentos de produtos in house e o próprio indicador ROC (return on culture – retorno da cultura). Essa foi nossa forma de ‘se ver’ e de se conectar aos times via digital – tão importante quanto um líder ficar atento para não marcar reuniões em horário de almoço ou de rotina familiar.
Outra vivência concreta de liderança que valoriza o relacional e o colaborativo ocorre por meio dos ciclos de inovação contínua. Além de estruturar um programa de inovação aberta para parcerias externas, é importante ter inovação aberta ‘dentro’ da companhia – para a captura de ideias e sugestões das equipes e oferta de oportunidade de modelar essas inovações através de testes, experimentos e envolvimento da organização. A inovação é um processo colaborativo que requer a conexão de vários saberes. Uma liderança humana entende que o primeiro elemento para inovação é a segurança emocional para que as pessoas deem as ideias, explorem alternativas e cenários, aprendam a partir dos experimentos e compartilhem feedbacks e feedfowards sobre essas iniciativas. Sem equipes e relacionamentos estabelecidos e diariamente aprimorados, não há confiança, não há colaboração e, portanto, inovação. Assim, uma liderança humanizada entende que investir nos relacionamentos é essencial para que outras competências organizacionais possam ser aprimoradas e vividas pelas várias equipes da companhia.
Por fim, vale destacar que essa visão deve ser reverberada em todas as camadas de líderes da organização. Do desenho de OKRs, metas e BSC ao incentivo ao uso de plataforma e ritual de feedback e PDI (plano de desenvolvimento individual), programas de voluntariado, de grupos de afinidade, de cuidado e bem-estar físico emocional de todas as pessoas da organização.
Poderíamos substituir a liderança humanizada por liderança real. Isso porque vida corporativa requer a conexão com a vida das pessoas – independente dos seus cargos. Há a real necessidade de comunicação transparente, educação continuada, empatia como valor e metodologia de design na mesma intensidade em que se busca IA – bots, BIs e BAs. Essa liderança real conecta as ferramentas aos rituais e organiza celebrações e reconhecimentos tamanho P, M G – assim como a valorização das inovações (do incremental ao radical). Essa liderança promove um viver melhor, além de estar presente diariamente com as pessoas, compartilhando espaços (virtuais ou não), vivências e inspirações. Conectando a importância do dia a dia na construção sustentável da cultura e da sucessão dos talentos das organizações.
Em resumo, a liderança não é um papel funcional meramente hierárquico, mas sim um estado de inspiração e conexão emocional entre pessoas e equipes que requer tradução para ações e práticas organizacionais diárias. Precisamos cada vez mais de talentos capazes de realmente ver e acolher pessoas a cada dia; de promover espaços de co-design de fluxos – processos-indicadores que transbordem impactos positivos de dentro para fora das organizações e que compartilhem os mesmos objetivos no tempo e no espaço. Isso é real, intencional e profundamente humano.
Artigo escrito por Flavia Helena, gerente sênior de Inovação, Jornada do Paciente, Produtos e Qualidade do Grupo Fleury
