Ainda estamos em 2022, mas muitas companhias abertas já estão trabalhando em seus Formulários de Referência de 2023. E com razão: a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) promoveu alterações significativas no regime informacional dessas companhias.
A Instrução CVM 480 deu lugar à Resolução CVM 80 (já em vigor) e o Formulário de Referência foi completamente reformulado e passou a integrar a Resolução CVM 59 (em vigor a partir de janeiro de 2023).
De modo geral, a CVM fez um ótimo trabalho. Para a elaboração da Resolução CVM 59, ouviu, em uma audiência pública que durou quase um ano, por volta de 50 participantes. Como resultado, o documento reflete anseios de redução do custo de observância regulatória e de inclusão de informações de caráter ambiental, social e de governança (ASG), atendendo à demanda de investidores e alinhando a regulamentação a avanços internacionais.
Agora, a bola está com as companhias. Além da produção de novas informações, haverá discussões bastante intensas, como as que envolvem uma avaliação de relevância de informações (por exemplo, a obrigação de indicar os cinco principais fatores de risco dentre todos aqueles descritos no documento).
Faz bem começar o quanto antes a estruturar o novo Formulário. Faz bem também estar atento às novas exigências, destacadamente as relacionadas a aspectos ASG, esparsas ao longo do documento.
À primeira vista, sempre que se fala na inclusão de informações ASG no novo Formulário de Referência, pensa-se no item 1.9, em que a companhia deve indicar se divulga informações ASG em relatório anual ou outro documento específico, bem como se adota determinados critérios na elaboração de tal documento.
Sob o regime “pratique ou explique”, a companhia deverá indicar, no documento a ser apresentado em 2023, se considera, na elaboração do relatório de sustentabilidade, uma matriz de materialidade e indicadores-chave de desempenho ASG, os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, e as recomendações da Força-Tarefa para Divulgações Financeiras Relacionadas às Mudanças Climáticas (TCFD). Além disso, deverá indicar se realiza inventários de emissão de gases do efeito estufa e qual o escopo dessas emissões. Todos esses critérios já são utilizados internacionalmente, permitindo uma maior comparabilidade e consistência das informações.
Mas não é somente neste item que as informações ASG são requeridas. A CVM preocupou-se em identificar onde as questões ASG se inserem nos negócios da companhia e nos riscos por ela enfrentados, e quem são os atores envolvidos. Assim, as companhias deverão descrever:
(i) as oportunidades inseridas no plano de negócios relacionadas a questões ASG (item 2.10, “d”); (ii) os fatores de risco ligados a questões sociais, ambientais e climáticas (item 4.1, “j” a “l”);
(iii) o papel dos órgãos da administração na avaliação, gerenciamento e supervisão de riscos e oportunidades relacionados ao clima (item 7.1, “f”);
(iv) os principais aspectos relacionados ao cumprimento de obrigações ligadas a questões ambientais e sociais (item 1.6, “b”);
(v) os canais para que questões críticas relacionadas a temas e práticas ASG cheguem ao conhecimento do conselho de administração (item 7.1, “c”); e
(v) indicadores de desempenho relacionados a questões ASG na remuneração da administração (item 8.1, “i”, “c”).
Sem pretender esgotar o assunto neste artigo, destacamos ainda o aprofundamento das informações exigidas em relação à diversidade (dentro do “S” do ASG). No novo Formulário, a companhia deverá descrever sua administração e seu corpo de empregados quanto à diversidade (no mínimo, de cor ou raça e gênero e, para os empregados, de faixa etária), mas, neste ponto, é necessário destacar que as informações deverão ser baseadas em autodeclaração, o que pode ser bastante complexo em alguns casos.
Além dessa fotografia, a CVM também solicita uma visão prospectiva da companhia sobre o tema: ela deve indicar os objetivos com relação à diversidade (novamente, no mínimo, de cor ou raça e gênero) para seus órgãos de administração, em linha com diversos movimentos mundiais de aumento da diversidade na condução das companhias. Sobre este tema, ainda teremos novidades: a B3 colocou em discussão, em agosto deste ano, novas regras (sob o regime pratique ou explique) para que as empresas listadas tenham, em seu conselho de administração ou diretoria, ao menos uma mulher e um integrante de comunidade minorizada.
Avançamos muito e, para 2023, teremos um trabalho gigantesco. Mas em 2024, o desafio será bem menor e o produto muito melhor.
Artigo escrito por Maiara Madureira, que é advogada no Lobo de Rizzo Advogados.