O último censo agropecuário publicado pelo IBGE revela que o Brasil possui mais de 5 milhões de estabelecimentos rurais, equivalendo a cerca de quarenta e um por cento da área total do país. Além disso, o agronegócio tem desempenhado um papel significativo, contribuindo com mais de 24% do PIB brasileiro nos últimos anos, o que corresponde a aproximadamente um quarto da economia brasileira. Portanto, fica evidente a importância do agronegócio para o país, tanto do ponto de vista econômico quanto social. Isso destaca a importância do tema da sucessão familiar rural na nossa atualidade. Por isso, a ANEFAC, por meio da área de Inteligência do Agro, reuniu especialistas para discutir a temática, no dia 04 de outubro, em webinar on-line.
De acordo com Marcos Grigoleto, diretor executivo regional Centro Oeste da ANEFAC e mediador do evento, para que o agronegócio continue em expansão, é essencial que as próximas gerações, incluindo pais, mães, filhos e filhas, estejam preparadas para o processo de sucessão de forma tranquila, identificando oportunidades de melhoria benéficas para todos, com o objetivo de proteger o patrimônio familiar, que é a fonte de riqueza da família, além de evitar conflitos durante o processo sucessório e garantir a continuidade do negócio.
É importante destacar que mais de 80% das empresas brasileiras são familiares, e apenas 77% delas conseguem ultrapassar a segunda geração, segundo dados do Sebrae. Portanto, na visão de Grigoleto, o planejamento sucessório familiar é fundamental para a perenidade dos negócios e da empresa, permitindo que os patriarcas e matriarcas possam dispor de seus bens ainda em vida, desde que respeitem as normas legais, tornando o processo menos burocrático e, em alguns casos, mais econômico do que a abordagem tradicional após o falecimento dos fundadores. “Uma pesquisa publicada em 2023 pela KPMG em parceria com o IBGC indicou que mais da metade dos membros familiares, cerca de 50%, não têm interesse em permanecer na gestão do negócio. Isso ilustra a realidade atual em que vivemos, uma vez que mais de 90% das pessoas não demonstram interesse em fazer parte do negócio. Isso pode ser preocupante para aqueles que permanecem no negócio e desejam gerenciar as operações e preservar a fonte de riqueza da família”.
Para realizar uma sucessão familiar, Rodrigo Motta, sócio-diretor do FCAM (Ferraz de Camargo e Matsunaga Advogados) e palestrante no evento, acredita ter pontos que servem como base e são importantes: O primeiro deles é que não existe uma fórmula ou estrutura perfeita. Cada família e cada negócio têm suas peculiaridades, e é necessário realizar uma análise e uma discussão individualizada, levando em consideração a família, o negócio, o ambiente em que estão inseridos, o momento de crescimento e profissionalização, bem como os núcleos familiares e as pessoas que fazem parte da sociedade. É como se o cobertor fosse curto, e precisamos tentar ajustá-lo da melhor maneira possível para cobrir os principais aspectos. Mais do que isso, é importante conduzir uma discussão individualizada e analisar a família e o negócio caso a caso. Isso ocorre porque, ao abordar a sucessão em empresas familiares, precisa considerar várias questões, como casamento, uniões e regimes de casamento que podem impactar divisões de patrimônio em casos de divórcio ou falecimento.
Outra preocupação, para Motta, é identificar se a pessoa que vai suceder é do núcleo familiar original ou se foi agregada por meio de casamento. “Além disso, é importante avaliar se os outros sócios e membros da família desejam que essa pessoa assuma a posição de liderança. Em casos de divórcio, conflitos podem surgir e afetar a sociedade e a continuidade dos negócios. Também é relevante considerar se a pessoa sucessora possui as habilidades e o interesse necessários para gerenciar o negócio ou se vê a empresa apenas como uma fonte de recursos financeiros. Portanto, é essencial compreender as preocupações da família e do núcleo familiar com os quais estamos trabalhando e buscar maneiras de mitigar riscos e garantir a continuidade dos negócios, respeitando suas expectativas.”
A gestão do negócio familiar do ponto de vista prático
Ao trazer a sua experiência familiar da Agropecuária Irmãos Paro, Fausto Paro, diretor financeiro e administrativo e palestrante no evento, explica que o negócio da família está centrado na produção de cana na região de Olímpia, porém são produtores 100% arrendados. Produzindo quase 500 mil toneladas, colhendo boa parte do que produzem. Sendo que a área própria representa apenas 5% da operação, praticamente 7 mil hectares. Isso implica em uma complexidade operacional, uma estrutura de máquinas grande e uma estrutura de funcionários razoável.
Em um cenário agrícola complexo, onde a sucessão patrimonial e operacional pode ser um desafio, a Irmãos Paro, com cerca de trinta anos de história, encontrou uma solução para garantir a continuidade de suas operações e preservar seu patrimônio. Originalmente um condomínio agrícola composto por quatro sócios, a empresa enfrentou um dilema comum a muitos negócios familiares: como manter a operação eficiente, garantindo que cada herdeiro receba sua parte justa, sem comprometer o fluxo de caixa e a governança corporativa. “Eu tenho máquinas, tenho uma folha salarial grande, e não posso me dar ao luxo de ter herdeiros descontentes comprometendo a operação”, afirma Paro.
Uma das principais complexidades enfrentadas pela empresa era a estrutura de frota, composta por oitenta unidades entre carros, máquinas e tratores, além das questões fiscais e contábeis, que envolviam um IR de cinquenta páginas para cada um dos sócios. Diante desses desafios, a família decidiu tomar medidas ousadas em 2012, criando uma pessoa jurídica operacional para separar a parte prática da operação, sem qualquer intenção de ocultar o patrimônio, mas sim para simplificar a governança e tornar o processo mais transparente.
No entanto, migrar a operação para a pessoa jurídica não foi uma tarefa simples, especialmente quando se tratava de contratos de arrendamento de terras. A empresa precisava equilibrar os interesses operacionais e financeiros ao realizar essa transição, considerando também os aspectos tributários. Hoje, mais de 90% dos contratos de arrendamento estão na pessoa jurídica, e a empresa continuou a sua migração gradual. Transferiram a frota e a folha de pagamento para a nova estrutura, facilitando a operação e protegendo o patrimônio.
Agora, a empresa está em um ponto interessante de cortar laços com a pessoa física e transferir o restante dos contratos de arrendamento. Isso resultará em uma estrutura mais organizada e menos complexa. A reestruturação da empresa também envolveu a criação de acordos familiares e protocolos familiares para estabelecer regras claras e justas de governança, evitando impasses no futuro. “Ao fazer essa formatação, a empresa pagará impostos, mas o valor é muito menor do que enfrentaríamos em um processo de inventário complexo. Isso também nos permite pensar a longo prazo e garantir a continuidade do negócio”, explicou Paro.
Além disso, a empresa tem adotado uma abordagem estratégica na gestão da terra, arrendando terras de menor produtividade, o que ajuda a otimizar a operação e a manter um fluxo de caixa saudável. Este caso de sucesso mostra como a reestruturação empresarial pode ser uma solução eficaz para enfrentar os desafios comuns que as empresas familiares enfrentam. Ao tomar medidas proativas e adotar uma abordagem estratégica, essa empresa agrícola está assegurando seu futuro e a prosperidade das gerações futuras.