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Os impactos da saúde mental na pauta ESG e a transversalidade do tema

Como falar em sustentabilidade, governança e social se os operadores das agendas estão adoecendo? 

Trinta milhões de brasileiros sofrem de burnout anualmente (OMS, janeiro de 2023). 

A ONU (Organização das Nações Unidas), em sua página do Instagram, aborda a saúde mental como um direito humano fundamental para todos nós. Além disso, nove em cada dez trabalhadores no Brasil relatam sentir-se estressados, o que compromete a qualidade do seu trabalho (OMS, janeiro de 2023). 

Em 2019, esse problema resultou em 23 dias de ausência ao trabalho. Em 2020, com a pandemia de Covid-19, o número saltou para 902 dias. Já em 2022, cerca de 1.377 dias foram perdidos devido à exaustão emocional, considerando dados da carteira da B2P, que abrange 465 mil colaboradores em 16 empresas de todo o Brasil. 

Todo dia 10 de outubro, desde 1992, celebramos o Dia Internacional da Saúde Mental, refletindo sobre o quanto investimos e dedicamos atenção a esse tema. A saúde mental, além de ser uma pauta crescente, se entrelaça com a agenda ESG (Environmental, Social, and Governance) – um conceito que tem ganhado destaque nas discussões sobre responsabilidade corporativa. 

Em média, 6.400 ações relacionadas a assédio moral são recebidas na Justiça do Trabalho todos os meses (TST, julho de 2023).  

Estamos iniciando mais um setembro amarelo, mês de reflexão sobre a saúde mental. Mas como isso se relaciona com os temas de governança e compliance que discutimos neste fórum? Simples: uma governança corporativa bem estruturada, alinhada a um compliance efetivo e a uma cultura organizacional voltada para um ambiente de trabalho positivo, estabelece, com clareza, os comportamentos esperados e não tolerados nas relações laborais. 

Dados da OMS revelam que o Brasil é um dos países mais ansiosos do mundo, com 9,3% da população enfrentando transtornos de ansiedade; além disso, uma em cada quatro pessoas no país já sofrerá de algum transtorno mental ao longo da vida.  

O estado mental das pessoas está diretamente relacionado à qualidade de vida que elas experimentam, tanto pessoal quanto profissionalmente. Assim, nossa saúde mental resulta da harmonização de diversos fatores que proporcionam estabilidade emocional e equilibram nossas ambições, emoções, desejos e medos. Família, amigos, trabalho, vizinhos, condições financeiras e educação são apenas algumas dessas nuances que impactam a saúde psicológica de cada um. 

Por essa razão, a preservação da saúde mental vai além do indivíduo; ela depende das relações que cultivamos e das condições que criamos ao nosso redor. Para avançarmos em direção a um cenário corporativo mais saudável e produtivo, é fundamental priorizarmos a saúde mental como um elemento essencial da agenda ESG. 

Quando falamos em sustentabilidade, automaticamente pensamos em ESG (Ambiental, Social e Governança), longevidade empresarial, preservação do meio ambiente, diversidade nas empresas, ações sociais, Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), governança, compliance, ética, integridade, relatórios e indicadores. Todos esses conceitos são fundamentais para a agenda 2030 e essenciais para a efetividade e longevidade dos negócios. 

A sigla ESG representa um conjunto de ações que visa a longevidade e sustentabilidade das empresas, com foco em questões ambientais, sociais e de governança. No entanto, criar uma jornada ESG não é um processo simplificado que se realiza exclusivamente dentro das companhias. Para o sucesso dessa jornada, é necessário desenvolver planos de ação, avaliações de risco e análises de indicadores. Esse processo não deve se restringir a um checklist em um arquivo excel, mas requer a operacionalização por pessoas, tanto internas quanto externas, das empresas e organizações. 

A conexão entre saúde mental e a eficácia da agenda ESG é, portanto, indiscutível. Como podemos esperar que os planos de ação e as metas ESG sejam cumpridos até 2030 se aqueles que gerenciam essas agendas estiverem adoentados, deprimidos, ansiosos ou lidando com síndromes do pânico? Discutir saúde mental e ambientes de trabalho positivos e livres de assédio é uma premissa básica para qualquer planejamento e progresso da agenda ESG, pois fortalece e reverbera ações de diversidade, privacidade de dados, segurança psicológica, compliance, segurança da informação, social, etc. 

Não importa qual seja o projeto ou meta futura que pautamos para o ESG. Se, eventualmente, os colaboradores, funcionários, terceiros e consultores estiverem com sua saúde mental comprometida, o que entregamos pode ser enquadrado como washing, dado que “casa de ferreiro espeto de pau” – os índices e indicadores estão lindos, mas como chegamos até ali, é completamente contrário aos valores e princípios pregados ao longo desta jornada. 

Passo importante para evitar esta maquiagem é a atualização da NR-1 do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), que põe foco na saúde mental no trabalho, exigindo das empresas que passem a identificar e gerenciar riscos psicossociais ocorridos dentro do seu ambiente, adotando ações reais para prevenir o assédio e violência no ambiente de trabalho. 

No entanto, é crucial lembrar que essa discussão não diz respeito apenas ao nível empresarial. Convidamos todos vocês a refletirem sobre isso! Não queremos desmerecer a prioridade que esses temas precisam ter nas agendas dos executivos; ao contrário, queremos instigá-los a considerar: quem pensa, planeja e executa essas agendas? A resposta é simples: são as pessoas! Nosso principal ativo, em qualquer setor econômico ou país, são as pessoas. 

Para resolver problemas, precisamos ir além dos sintomas e abordar as causas. Neste cenário, é evidente que a saúde mental das equipes não está sendo considerada da forma adequada. Ao longo de nossas carreiras, temos visto as consequências devastadoras da falta de protagonismo humano. Quando falamos sobre isso, não nos referimos apenas às decisões empresariais, mas também às escolhas feitas pelos próprios indivíduos. Muitas vezes, eles colocam o sucesso da empresa acima de sua própria felicidade e realização, e o preço que pagam é alto. 

É fundamental não confundir resiliência com a mera capacidade de suportar pressão. Essa visão ultrapassada ignora a verdadeira essência da resiliência, que é a habilidade de se adaptar e crescer diante de adversidades. No entanto, nada disso se aplica a ambientes tóxicos, onde a tolerância ao assédio e à discriminação prevalece. Trocar a saúde mental por um reconhecimento superficial, um bônus ou elogios temporários não vale a pena! 

Portanto, é crucial que cada um de nós identifique o que realmente nos aflige e busque um ambiente de trabalho que ofereça conforto e suporte, ao invés de se forçar a se encaixar em moldes que não lhe servem. A questão que precisamos enfrentar é se um colaborador não foi promovido porque não entregou resultados, ou se, na verdade, ele não conseguiu performar devido a um ambiente inadequado. 

O equilíbrio emocional é essencial; é um fundamento básico indispensável para a longevidade profissional e pessoal, além de ser a base da sustentabilidade humana. Empresas que assediam, que não são diversas e que ignoram a saúde mental de seus colaboradores dificilmente alcançarão a verdadeira sustentabilidade. E seus relatórios ESG poderão ser facilmente identificados como fakes. 

Portanto, ao desenvolver planos de ação para a jornada ESG, é imperativo que a saúde mental seja priorizada. Afinal, são as pessoas que movem essas iniciativas, e, sem seu bem-estar, não conseguiremos construir um futuro sustentável. 

Artigo escrito por Cátia Veloso, advogada, palestrante e sócia da MariaQuitéria Consultoria 

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