Quem atua na área fiscal, contábil e tributária no Brasil parece não se surpreender com as mudanças legislativas ocorridas entre um ano e outro. É algo esperado, e os profissionais destas áreas certamente estão preparados para lidar com as alterações que ocorrem. Contudo, algumas viradas de ano se destacam mais do que outras. A exemplo do que ocorreu ao final de 2015 e início de 2016, em que tivemos diversos Estados brasileiros que majoraram a carga tributária do ICMS, tendo em vista a publicação da Emenda Constitucional n. 87/2015, que instituiu a possibilidade dos Estados em cobrar o chamado “diferencial de alíquotas nas operações destinadas a não contribuinte de ICMS”, similarmente tivemos entre 2022 e 2023 relevantes alterações no âmbito do ICMS, e não somente relativamente a este imposto, mas também em relação às contribuições do PIS e da COFINS, entre outros assuntos também de grande relevância como por exemplo.
ICMS
Em decorrência do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal do Recurso Extraordinário nº 714.139, em que foi fixada a seguinte tese em sede de Repercussão Geral, “Adotada, pelo legislador estadual, a técnica da seletividade em relação ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), discrepam do figurino constitucional alíquotas sobre as operações de energia elétrica e serviços de telecomunicação em patamar superior ao das operações em geral, considerada a essencialidade dos bens e serviços”, foi publicada a Lei Complementar nº 194/22, de modo a alterar o Código Tributário Nacional para considerar bens e serviços essenciais os relativos aos combustíveis, à energia elétrica, às comunicações e ao transporte coletivo.
Esta sentença judicial significa aos Estados, uma vez que tenham adotado alíquotas diversas para esses produtos e serviços, limitação no sentido que suas alíquotas de ICMS não poderão ser superiores à alíquota modal (geral) adotada para aquele Estado, diante de produtos e serviços considerados essenciais. Certamente um duro golpe nos cofres Estaduais.
Em contrapartida, 13 Estados resolveram alterar as suas alíquotas para produtos e serviços nas operações internas, sendo a maior parte deles no sentido da majoração, entre 2 e 4 pontos percentuais em sua alíquota modal. Destaque para alguns Estados:
- Bahia, que elevou novamente as alíquotas de ICMS para energia elétrica, combustíveis e comunicações (respaldado na modulação de efeitos definida para 2024, pelo STF, no julgamento do RE 714.139), além de ter restaurado o adicional do fundo de combate à pobreza (FUCEP) para energia elétrica e comunicações até o final de 2023;
- Piauí aumentou sua alíquota de 18 para 21%, além de alterar diversas alíquotas para outros produtos e serviços;
- Sergipe majorou sua alíquota de 18 para 22%; e
- Ceará modificou sua legislação para majorar o ICMS de 18% para 20% a partir de 2024.
Importante ressaltar que as modificações em alguns casos também se refletiram em redução da carga tributária:
- Maranhão reduziu a carga tributária de 12 para 10% nos produtos da cesta básica;
- Rio Grande do Norte também reduziu a carga tributária produtos da cesta básica, de 12% para 7%;
- Minas Gerais não prorrogou a vigência do adicional de 2% relativo ao FEM (Fundo de Erradicação da Miséria);
- São Paulo publicou legislações no sentido de reverter o ajuste fiscal ocorrido em 2021. Com isso, fica extinto o complemento de alíquotas de 1,3% e 2,4%, bem como a figura da isenção parcial, restaurando os benefícios fiscais de diversos segmentos.
Importante salientar que neste conjunto de alterações promovidas entre o final de 2022 e início de 2023 encontram-se ajustes legislativos e prorrogações em diversos benefícios fiscais de isenções, reduções de base de cálculo e crédito presumido, alterações no sentido de inclusão e exclusão de mercadorias sujeitas ao regime da substituição tributária de ICMS nos Estados. Além disso, houve alterações em suas margens de valor agregado (MVA), que, se somado às alterações de alíquotas citadas anteriormente, requerem especial atenção dos profissionais atuantes na área, bem como atualizações sistêmicas, de modo a não prejudicar o aspecto comercial do negócio, sua lucratividade, assim como mantém a companhia em compliance.
PIS/COFINS
Tivemos também algumas alterações no âmbito das contribuições do PIS e da COFINS, com destaque para:
- Medida Provisória nº 1.159/2023, que altera as Leis 10.637/02 e 10.833/03 para excluir o ICMS da base de incidência dos créditos destas contribuições, com vigência a partir de 1º de maio de 2023. Embora o assunto esteja sendo tratado por meio de uma MP, a expectativa é de que a sua conversão em lei ocorra em breve;
- Instrução Normativa RFB nº 2.121/2022, que consolida as normas sobre a apuração, a cobrança, a fiscalização, a arrecadação e a administração dessas contribuições, com efeitos a partir de 20.12.2022. Sob este aspecto, além de termos uma nova instrução regulando sobre estas contribuições, chama atenção a restrição quanto à impossibilidade de crédito de IPI incidente na venda do bem pelo fornecedor (art. 170, inciso II), sem que esta restrição tenha se refletivo em alteração em lei;
- Decreto 11.322/2002 (que reduziu para 0,33% e 2% as alíquotas para receitas financeiras a partir de 1º.01.2023) foi posteriormente revogado pelo Decreto 11.374/2023 em 02.01.2023, a fim de reestabelecer as alíquotas anteriores, de 0,65% e 4%. Muitas empresas resolveram ingressar na justiça sob a alegação de que o Decreto anterior produz efeitos e de que o novo decreto deve respeitar o princípio da anterioridade nonagesimal, uma vez que configura aumento da carga tributária. O assunto está pendente de julgamento pelo STF, diante da interrupção com o pedido de vista do ministro Alexandre de Morais.
Decisão do STF sobre coisa julgada em matéria tributária
No dia 08 de fevereiro, o STF julgou os RE 955227 (Tema 885) e RE 949297 (Tema 881) no sentido de que tributos recolhidos de forma continuada perdem seus efeitos caso a Corte se pronuncie em sentido contrário, mesmo nos casos em que tenha ocorrido o seu trânsito em julgado. Assim, a decisão produzirá seus efeitos enquanto perdurar o quadro fático e jurídico que a justificou. Havendo alteração jurisprudencial sobre o tema, os efeitos da decisão anterior não mais prevalecem.
Com isso, o STF retirou o privilégio de contribuintes que não pagavam o tributo baseados em decisões que, equivocadamente, consideraram inconstitucional a cobrança da CSLL. Em 2007, a Suprema Corte validou o tributo, de modo que todos os contribuintes devem pagá-lo, não podendo se falar em retroatividade.
A decisão repercutiu no meio empresarial e jurídico, visto que os seus efeitos ainda estão sendo medidos, bem como possíveis repercussões para outros casos e tributos. Fato é que este assunto deve ser acompanhado de perto, uma vez que está pendente de publicação o acórdão do julgamento (o que permitirá maior compreensão sobre sua amplitude), bem como possível ação de embargos de Declaração para sanar qualquer omissão ou contradição identificada no acórdão.
Outros temas relevantes
Por fim, cabe destacar outros assuntos também de grande relevância tributária para este ano, como as alterações nas regras para o Transfer Price (MP 1.152/2022) opcionalmente a partir deste ano e que depende de conversão em lei e regulamentação complementar; a possibilidade da aprovação da Reforma Tributária com entrada a partir de 2025; o retorno do voto de qualidade no CARF e as pautas tributárias a serem julgadas pelo STJ e STF, que os contribuintes devem permanecer atentos.
Fato é que 2023 tem se refletivo como um ano de grandes alterações tributárias e que promete ser ainda mais movimentado diante do que já possível de ser observado apenas neste primeiro trimestre. Isso requer de empresários, diretores, gestores, advogados, contadores e demais profissionais envolvidos, especial acompanhamento, uma correta análise e interpretação para que decisões possam ser tomadas de forma assertiva, favorecendo o seu negócio.