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O futuro do mercado com lideranças femininas  

A discussão sobre diversidade e inclusão nunca foi tão relevante no cenário corporativo contemporâneo. Com o reconhecimento crescente de que organizações que adotam práticas inclusivas e sustentáveis são mais resilientes e inovadoras, o papel das lideranças femininas ganha destaque. Este texto explora as perspectivas de especialistas sobre como a presença de mulheres em cargos de liderança não apenas transforma a dinâmica organizacional, mas também contribui para resultados positivos em termos de inovação, ética e satisfação dos colaboradores. Em 13 de novembro, a ANEFAC realizou em São Paulo o 2º ACCT Tax Women com o título: Fortalecendo o futuro do mercado com lideranças femininas. As palestrantes foram: Adriana Mello, ANEFAC, Andrea Anjos, Cargil, Danielle Watanabe, Incor, Elaine Funo, Embraer, Glaucia Frascino, Mattos Filho, Jane Teixeira, Grupo Fleury, Luciane Magalhães, KPMG, Sandra Comodaro, Conselheira, Thais Romano, EY, Thais Borges, ANEFAC, e Vanessa Lukaisus, ANEFAC.  

Segundo Danielle Misumi Watanabe, diretora técnica do Serviço de Psicologia no InCor-HCFMUSP, hoje é consenso que a sustentabilidade das organizações passa pelo cumprimento dos critérios ESG, onde a responsabilidade social (o ‘S’) inclui pilares fundamentais como diversidade, equidade, inclusão e acessibilidade. No entanto, apesar dessa necessidade estar consolidada, ela ainda está longe de ser uma realidade plena. “O que vejo frequentemente são homens em cargos de alta liderança destacando os benefícios de trabalhar com mulheres em suas equipes, mas ainda são poucas as mulheres que ocupam posições no topo da hierarquia corporativa. A verdadeira contribuição acontecerá quando a inclusão feminina deixar de ser um tema de debate porque já será um fato consumado.” 

Quando isso ocorrer, ela pondera que o importante é não perder o foco na inclusão e equidade, mas na competência das pessoas, para que tenhamos um ambiente mais equilibrado e estratégico. Existem diferenças psicológicas e comportamentais entre homens e mulheres, por exemplo, quanto à abordagem dos problemas, comunicação, expressão de afetos e formas de pensar. “A presença feminina em lideranças impulsiona perspectivas diversas, fomenta decisões mais equilibradas e contribui diretamente para um ambiente corporativo mais inovador e sustentável. A própria concretização dessa inclusão será o marco de uma mudança estrutural, refletindo a evolução necessária para o futuro das organizações. Não se trata de levantar uma bandeira da liderança feminina, mas de compreender que existem mulheres que também têm competência para ocupar cargos de liderança e podem trazer vantagens estratégicas e competitivas para as organizações.” 

Na percepção de Thais Borges, head adjunto de empreendedorismo e startups da ANEFAC, a presença feminina no comando transforma o jogo. Mulheres trazem um olhar diferente, mais colaborativo e conectado com a realidade do time e do mercado. “Quando falamos de inovação e sustentabilidade, isso faz toda a diferença. Nós pensamos em soluções que não só resolvem problemas, mas que também têm impacto positivo a longo prazo. Além disso, lideranças femininas tendem a equilibrar a balança entre resultados e propósito, o que ajuda a criar negócios mais éticos, humanos e adaptáveis às mudanças. Essa visão ampla, somada à habilidade de lidar com a complexidade, permite construir empresas mais preparadas para os desafios de um mercado em constante evolução. Inovar é quebrar padrões e abrir espaço para novas ideias, algo que lideranças femininas fazem com maestria.” 

Para Rubia Fassi, tax director na BDO Brasil, a diversidade é a peça-chave para a inovação. “Não podemos inovar se todos pensam da mesma forma. Histórias de vida e visões de mundo diferentes trazem novos conhecimentos, novos pontos de vista e novas oportunidades.” 

Jane Teixeira avalia que uma maior participação de mulheres em cargos de liderança tende a trazer benefícios às corporações por diversos fatores. A inclusão de pessoas diversas no mercado de trabalho, principalmente nas posições de liderança, tende a oferecer visões diversas sobre o público, produtos e serviços, com perspectivas únicas e soluções pensadas para as necessidades dos consumidores reais. “O mercado enaltece muito a inovação, o ‘pensar fora da caixa’, mas há relatos de que talentos ainda são preteridos por conta de preconceito de gênero, cor, capacitismo e outras formas de discriminação. O convívio com pessoas diversas tem ainda a vantagem de construir empatia, desafiar o status quo do mercado e pensar em soluções mais sustentáveis a longo prazo.” 

Como ponto de partida, Watanabe diz que é importante reconhecer que os melhores resultados de uma organização são obtidos através das atividades das pessoas. Para ela, quanto melhores essas pessoas estiverem, especialmente se o seu propósito pessoal estiver conectado com o propósito da organização, maior será seu desempenho. Neste sentido, o bem-estar dos colaboradores tem relação direta com alta performance. “O bem-estar no trabalho é influenciado tanto por características individuais (personalidade do colaborador) quanto por fatores relacionados ao ambiente organizacional. Entre os fatores ambientais, destacam-se a percepção de suporte social — tanto de colegas quanto de lideranças —, a autonomia para desempenhar as funções e a clareza na comunicação. Além disso, práticas como fornecer feedback construtivo, estimular a participação ativa, promover relações de confiança e oferecer liberdade na tomada de decisões contribuem para um ambiente que protege e fortalece a saúde mental.” 

O certo a fazer, para Luciene Magalhães, head de capital humano na KPMG, não é apenas incentivar, mas implementar a diversidade como um instrumento. E isso gera resultados concretos. Um exemplo surge do Women in Business Leadership Boost ESG Performance, da International Finance Corporation (IFC), que revela que empresas com maior presença de mulheres nos conselhos e na alta liderança geram mais retornos sobre ativos e vendas, valorização aprimorada, controles internos mais rígidos, aumento da conformidade ética e social, redução da incidência de fraudes, insider trading e outras práticas antiéticas. “Além disso, registram práticas de responsabilidade social e interação comunittária, resultando em uma cultura empresarial positiva, com maior satisfação dos colaboradores e desempenho de seus talentos.” 

Segundo ela, um fenômeno percebido no mercado é que as organizações diversas, que contemplam a diversidade cognitiva, são aquelas que contam com perfis, ideias, habilidades e experiências complementares, o que as torna mais resilientes, disruptivas e inovadoras. Esse pacote multidisciplinar é a resposta para enfrentar desafios, buscar oportunidades e garantir a formação de líderes mais preparados. 

Compliance e liderança  

De acordo com Fassi, por exemplo, os principais desafios enfrentados pelas empresas para programas de compliance incluem a burocracia e o excesso de normas, legislações e regulamentações a serem observadas pelos contribuintes. “Geralmente, o time tributário nas empresas já trabalha com um número enxuto de profissionais, tornando difícil dar conta da rotina do dia a dia e encaixar todas essas exigências e atualizações. A liderança feminina, por característica, pode contribuir com a melhoria na organização dos processos, além de oferecer um olhar mais direcionado às prioridades. Contar com o apoio de consultorias também pode ajudar muito com o aperfeiçoamento do compliance das companhias.” 

Compliance pode parecer técnico, mas, no fundo, é sobre pessoas que entendem e seguem as regras para proteger a empresa e sua reputação. Borges pontua que o desafio está em engajar o time e traduzir complexidade para o dia a dia. “É aí que as mulheres líderes brilham: temos um jeito natural de trazer empatia e clareza para processos, conectando o que é técnico ao impacto real no negócio. Além disso, o fato de sermos mais abertas ao diálogo facilita a adesão da equipe e cria um ambiente onde a ética se torna um valor genuíno, não só uma obrigação. A experiência mostra que lideranças femininas são ágeis em identificar riscos e propor soluções práticas, o que é essencial em um cenário regulatório que muda constantemente, como o Brasil. É sobre liderar com propósito, promovendo uma cultura onde compliance não é apenas uma meta, mas um valor essencial.” 

“Tenho 36 anos de experiência profissional em ambiente regulado e os desafios para o cumprimento das questões regulatórias sempre foram e serão imensos, porque os reguladores estão à frente no estudo das tendências e reprimem comportamentos inaceitáveis em todos os níveis. É uma busca por um amadurecimento constante e isso requer empenho administrativo, análises de riscos e uma governança muito atenta. Como descrevi acima, as lideranças femininas contribuem significativamente para o aumento da conformidade ética e social, redução da incidência de fraudes, insider trading e outras práticas antiéticas, e estamos falando de dados factuais através das pesquisas; refutar isso é quase que desejar brigar com dados. Quando observamos os obstáculos para fomentar, principalmente quando visamos a diversidade de gênero e o caminho para as mulheres chegarem à liderança, chama atenção os danos gerados pela falta de networking. Ainda hoje, é preciso dizer que o relacionamento e a criação de uma comunidade de talentos são fatores-chave para impulsionar as pessoas qualificadas”, diz Magalhães. 

Sobre os desafios, Teixeira pondera que as mulheres, em geral, vivenciam discriminações, abusos e efeitos das mais diversas crises desde muito cedo, desde as puramente econômicas até guerras, e atualmente, a crise climática. “Mulheres em posições de liderança, em geral, chegaram lá com muito mais esforço e atuação política do que seus pares masculinos. Acredito que essa combinação pode trazer experiência e comprometimento no atendimento a regras e legislações, ética e questões sociais/ambientais.” 

De acordo com Watanabe, lideranças, independentemente do sexo, têm um papel fundamental nesse processo ao implementar políticas e ações que atendam a essas necessidades. No entanto, características frequentemente associadas às mulheres, como empatia, habilidade de observar nuances e pensamento sistêmico, podem favorecer a identificação de demandas e a adoção de iniciativas eficazes para promover o bem-estar. Essa sensibilidade, muitas vezes moldada por suas próprias trajetórias de desenvolvimento profissional, é um diferencial que pode inspirar transformações positivas em equipes e organizações. 

As mulheres têm, segundo Fassi, como característica um olhar amplo e o cuidado com as pessoas por instinto. “Uma boa liderança deve cuidar do time como seu bem mais precioso. Um time engajado, que possui segurança psicológica em seu ambiente de trabalho, gera melhores resultados e ideias inovadoras.” 

“Nós, mulheres líderes, sabemos o peso de equilibrar mil coisas ao mesmo tempo, então entendemos como o bem-estar é essencial para um bom desempenho. Quando olhamos para a saúde mental no trabalho, o papel de uma líder é criar um ambiente onde as pessoas se sintam seguras para falar, pedir ajuda e, principalmente, serem ouvidas. Isso vai desde políticas de flexibilidade até mostrar, no dia a dia, que cuidar da mente é tão importante quanto atingir metas. Uma liderança que lidera pelo exemplo e incentiva essa cultura acaba impactando não só o time, mas também os resultados. Empresas são feitas de pessoas, e lideranças femininas têm o poder de humanizar o ambiente corporativo, equilibrando resultados e qualidade de vida. A saúde mental deve ser parte da estratégia, não um projeto à parte, e isso exige líderes que realmente se importam, como tantas mulheres à frente de grandes mudanças”, explica Borges. 

Na visão e experiência de Magalhães, a tendência de colaboração é um perfil instalado em lideranças femininas. “A colaboração é um dos elementos que amparam o coletivo, e o amparo ao coletivo alcança o efeito no bem-estar. Com um perfil tão necessário nas condições do mercado atual, a liderança feminina instalada vai provocar mudanças e trazer o equilíbrio. Através da transformação organizacional, onde o equilíbrio entre a vida profissional e as demandas que a vida impõe é fundamental (independentemente do gênero, que geralmente favorece menos a liderança feminina), os vieses são expostos, discutidos e harmonizados.” 

Segundo ela, em uma determinada geração, comenta-se que apenas as gerações mais novas estão interessadas em equilíbrio de vida, misturando um assunto que sempre foi demandado entre os gêneros. “Não há nada de errado em uma pessoa ser profissional, competente e requerer equilíbrio de vida; as famílias também perceberão que demandas sem equilíbrio afetam a vida profissional do gênero feminino. Portanto, na minha visão, esse famoso equilíbrio pode ser alcançado quando os gêneros estão equilibrados, reconhecendo o compromisso e as competências mútuas. Isso é um desafio organizacional que pode abalar o ambiente e a estratégia. Trabalho em uma marca onde atualmente sou uma das representantes, mas há 36 anos vejo a estratégia de diversidade inserida. Vejo investimentos, e sem comprometimento do nível mais executivo, não é possível alcançá-la. Isso deve ser verdadeiro para nos motivar, e com motivação, o melhor se torna menos difícil — até porque não é fácil ser executivo, independentemente do gênero; isso requer empenho. O passo para atender o coletivo e deixar um ambiente melhor do que você encontrou só se instala com muita maturidade e ações que uma marca pode nos proporcionar.” 

Ao finalizar, Teixeira, sendo a maioria de nós afetada pela sobrecarga de trabalho, tentando equilibrar a vida pessoal e profissional (muitas vezes com jornadas duplas ou até triplas, acumulando diversas tarefas como cuidadoras), enfatiza a importância de ter e promover empatia no ambiente de trabalho. “Gostaria de enfatizar nosso papel enquanto membros de um grupo minorizado em combater preconceitos e promover inclusão. Não apenas aceitar a diversidade, mas realmente acolher e abraçar, promovendo um ambiente de trabalho mais saudável em que as pessoas encontrem pertencimento e não sintam vergonha de ser quem são. Falando especificamente sobre promoção de equidade de gênero, é importante que não apenas incentivemos as mulheres a desenvolver suas carreiras, mas que todos os nossos liderados (homens e mulheres) tenham o acolhimento necessário para trabalhar suas questões pessoais, cuidar de seu núcleo familiar e equilibrar suas muitas necessidades enquanto seres humanos.” 

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